segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Wall Street: Rompendo 30 anos de controle sobre a imaginação humana

Occupy Wall Street redescobre a imaginação radical





Os jovens que protestam em Wall Street e além rejeitam esta ordem econômica vã. Eles vieram para resgatar o futuro


Por que as pessoas estão ocupando Wall Street? Por que a ocupação — apesar da mais recente repressão policial — espalhou fagulhas através dos Estados Unidos, inspirando em alguns dias centenas de pessoas a mandar pizzas, dinheiro, equipamento e, agora, a começar seus próprios movimentos chamados OccupyChicago, OccupyFlorida, Occupy Denver ou Occupy LA?


Existem razões óbvias. Estamos vendo o começo de uma desafiadora auto-afirmação de uma nova geração de norte-americanos, uma geração que está vendo um futuro de educação sem emprego, sem futuro, mas sob o peso de uma dívida enorme e sem perdão. A maioria, descobri, é da classe trabalhadora ou de origem modesta, meninos e meninas que fizeram tudo o que foi recomendado a eles: estudaram, entraram na faculdade, e agora não apenas estão sendo punidos, mas humilhados — diante da perspectiva de serem tratados como zeros à esquerda, moralmente reprovados.


É realmente surpreendente que eles gostariam de trocar uma palavra com os magnatas financeiros que roubaram seu futuro?


Assim como na Europa, estamos vendo o resultado colossal de um fracasso. Os ocupantes são pessoas cheias de ideias, cujas energias uma sociedade saudável deveria aproveitar para melhorar a vida de todos. Em vez disso, elas estão usando a energia em busca de ideias para derrubar todo o sistema.

Mas o fracasso maior aqui é da imaginação. O que estamos testemunhando pode ser também uma demanda para finalmente ter um debate que todos nós supostamente deveríamos ter tido em 2008. Aquele era um momento, depois do quase-colapso da arquitetura financeira do mundo, em que qualquer coisa parecia possível.


Tudo o que havia sido dito a nós nas décadas anteriores provou-se mentira. Os mercados não eram auto-reguláveis; os criadores de instrumentos financeiros não eram gênios infalíveis; e as dívidas não tinham de ser verdadeiramente pagas — na verdade, o dinheiro em si mostrou-se um instrumento político, trilhões de dólares podendo ser inventados durante a noite quando os bancos centrais ou governos assim quisessem. Mesmo a [revista britânica] Economist deu manchetes como “Capitalismo: Foi uma boa ideia?”.


Parecia o tempo para repensar tudo: a própria natureza dos mercados, do dinheiro, da dívida; de se perguntar para que serve uma ‘economia’. Isso durou talvez duas semanas. Então, numa das mais colossais faltas de coragem histórica, nós todos, coletivamente, colocamos nossas mãos sobre as orelhas e tratamos de tentar colocar as coisas o mais próximas do que tinham sido antes.


Talvez não seja surpreendente. Está se tornando crescentemente óbvio que a verdadeira prioridade daqueles que dirigiram o mundo nas últimas décadas não era criar uma forma viável de capitalismo, mas, em vez disso, nos convencer de que a atual forma de capitalismo é a única forma possível de sistema econômico, e que seus defeitos, portanto, são irrelevantes. Desta forma, todos assistimos sentados enquanto o aparato desaba.


O que aprendemos agora é que a crise econômica dos anos 70 na verdade nunca acabou. Foi superada com crédito barato e pilhagem maciça no Exterior — esta última, de nome “crise da dívida do Terceiro Mundo”. Mas o sul global lutou de volta. O movimento de ‘alter-globalização’ foi, no fim das contas, bem sucedido: o Fundo Monetário Internacional foi expulso do Leste da Ásia e da América Latina, assim como agora está sendo expulso do Oriente Médio. Como resultado, a crise da dívida chegou à Europa e à América do Norte, repleta do mesmo tipo de solução: declare uma crise financeira, indique tecnocratas supostamente neutros para gerenciá-la e em seguida se engaje numa orgia de pilhagem em nome da ‘austeridade’.


A forma de resistência que emergiu parece marcadamente similar ao velho movimento de justiça global, também: vemos a rejeição da antiga política partidária, a adoção da mesma diversidade radical, a mesma ênfase em inventar novas formas de democracia de baixo para cima. O que é diferente é o alvo: se em 2000 os protestos eram dirigidos ao poder das novas burocracias planetárias sem precedentes (Organização Mundial do Comércio, FMI, Banco Mundial, Nafta), instituições que não prestavam contas democraticamente, que existem apenas para servir aos interesses do capital transnacional; agora, é contra toda a classe política de países como a Grécia, a Espanha e agora, os Estados Unidos — exatamente pelas mesmas razões. É por isso que os manifestantes tem hesitado em fazer demandas formais, já que isso significa o reconhecimento implícito dos políticos contra os quais eles se revoltam.


Quando a história for finalmente escrita, no entanto, é provável que todo este tumulto — começando com a Primavera árabe — será lembrado como o tiro de largada de uma onda de negociações sobre a dissolução do Império Norte-Americano. Trinta anos de insistente prioridade na propaganda sobre a substância, do solapamento de qualquer coisa que pudesse parecer base política de uma oposição, pode fazer parecer aos jovens manifestantes que suas perspectivas são sombrias; e está claro que os ricos estão determinados a garantir uma fatia tão grande quanto possível das sobras, jogando uma geração inteira de jovens aos lobos para garantir isso; mas a História não está do lado deles.


Talvez seja bom a gente considerar as consequências do colapso dos impérios coloniais europeus. Não levou ao sucesso dos ricos em agarrar toda a comida disponível, mas à criação do estado de bem-estar social. Não sabemos exatamente o que vai acontecer agora. Mas se os ocupantes finalmente conseguirem romper o controle exercido durante 30 anos sobre a imaginação humana, como aconteceu nas primeiras semanas depois de setembro de 2008, tudo vai novamente estar em jogo — e os manifestantes de Wall Street e de outras cidades dos Estados Unidos terão feito por nós o maior dos favores.


PS do Viomundo: O movimento já atingiu 1015 cidades dos Estados Unidos.

David Graeber, no jornal britânico Guardian
8 de outubro de 2011 às 18:23

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