quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Morre o crítico do Estado de Minas, Marcello Castilho Avellar


Marcello era crítico de artes do Estado de Minas e professor de teatro na PUC Minas


Adeus a um gênio
Os gênios têm a mania de nos surpreender. Vão e vêm, assim de repente, mesmo sem as fantasiosas nuvens de fumaça das mil e uma noites. São assim até na morte. Falo de Marcello Castilho Avellar. Sei que ele não tinha pretensão de ser gênio. Mas era, mesmo sem querer sê-lo. Seu olhar distante, meramente retraído, não dizia de seu conhecimento, de sua delicadeza ao falar de cinema a aqueles a quem considerava absolutamente leigos. Mas seu semblante de perene ar shakespeariano combinava com a habilidade de sua inteligência, fartamente distribuída em milhares de linhas legadas à imprensa, ao cinema, ao teatro, à literatura e à universidade mineira. Marcello, que faria 51 anos em dezembro, foi encontrado morto em casa, no Bairro Floresta, de causa natural, nesta terça-feira à tarde. O corpo será velado no Teatro Alterosa das 15h às 18h30. Depois o corpo vai seguir para o velório 3 do cemitério do Bonfim. O enterro está marcado para às 9h desta quinta-feira.
Se é possível compreender e absorver o conteúdo de sua escrita, difícil era entender a sua hermética personalidade. Uma mente fechada à minimidade do homem, mas com passagem livre para constância de sua criação projetada nas artes. Uma boca imune à futilidade e aberta à expressão da sabedoria. Dizia se dele um gênio indomável. Nem tanto. Por trás de todas as fechaduras havia um jornalista, um artista, um mestre das artes que não recusava a experiência, por mais absurda que pudesse parecer numa suposta visão intelectual. "Vá, Marcello, vá ao Mineirão e me traga uma boa reportagem sobre as torcidas no clássico Atlético x Cruzeiro". Foi, viu e fez. Uma lição de sutil revelação de como a irracionalidade humana convive, às vezes, com a razão e a emoção. Enfrentou até a maratona do Enem para mostrar como se sente no conturbado teste um candidato a uma cadeira universitária.
"Um renascentista", dizem amigos e companheiros de jornal para explicar que ele jamais precisou de diploma para aflorar a erudição. Esse era o belo-horizontino Marcello Castilho Avellar, filho de família ouro-pretana, também professor de teatro na PUC Minas. Um mestre da interpretação, mas que não se deixava interpretar. Um homem que amava calado, que não extravasava dores nem alegrias. Um jeito de ser incompreensível para a maioria. "Um enigma, uma indecifrável esfinge", dizem alguns.
Depois de 30 anos a serviço do caderno de Cultura do Estado de Minas, com suas roupas simples, barba por fazer e um cigarro ocasional nervosamente tragado, se junta à imortalidade a outro gênio impenetrável, João Etienne Filho, com quem dividiu a honra de ser referência intelectual em Minas Gerais. Para ele, as cortinas se fecham aos 50 anos, mas continuam abertas para seu legado em exibição nas melhores páginas dos jornais e nas prateleiras mais sábias das bibliotecas. Um caminho para quem quiser tentar desvendar o que o gênio indomável sempre quis dizer, sem nada querer dizer, como na frase que postou ainda ontem no Facebook: "Neste momento, meu coração deveria estar parado, já que tantos outros que ele teve deixaram de bater. Porém, já que não posso mais ser amado, deixem-me ainda amar".
Arnaldo Viana - Estado de Minas
Publicação: 01/11/2011 20:10 Atualização: 02/11/2011 11:47

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