sábado, 24 de dezembro de 2011

Quando conheci Alberto Granado

 
Cheguei sem avisar, já que não consegui falar com ele por telefone.



Por volta de 14h, depois de rodar um pouco – no táxi do Felipe, que me hospedava no centro de Havana – pelas belas avenidas de Miramar, achei a casa da família Granado.
Felipe chamou e uma senhora nos atendeu. Disse-lhe que era brasileiro e trazia uns presentes para o senhor Alberto. Informou-me que ele gozava a sagrada hora da sesta e pediu que eu retornasse às 17h.
Pedido atendido, rumamos 40 quilômetros para a pequena San Antonio de Los Baños, onde conheci a Escola Internacional de Cinema e Televisão de Cuba, fundada em 1986 pelo escritor colombiano Gabriel Garcia Márquez e pelo compatriota de Granado, o poeta e cineasta argentino Fernando Birri*.
Os últimos raios de sol já se despediam quando fui recebido por Delia, venezuelana, a doce e gentil esposa de Granado.
Eu, a ponto de ter uma síncope, de tão nervoso que estava enquanto caminhava pela casa e subia as escadas para o cômodo onde o franzino senhor me esperava.
Após cumprimentá-lo e sentir aquelas mãos calejadas que tanta memória carregavam, meus olhos marejaram, mas resisti às lágrimas com a enorme simpatia do casal.
Percebendo o meu nervosismo, Delia brincou, depois que entreguei os presentes e, em menos de dois minutos de charla, disse que não queria incomodá-los e já ensaiava a despedida:
- Meu querido, se você tiver um ataque do coração aqui vai me matar porque eu também sofro do coração. Relaxe e desfrute da companhia de Alberto… [gargalhada geral]
Nessa hora a respiração voltou ao normal e o diálogo começou de verdade.
O primeiro presente havia sido a clássica camisa listrada da Argentina, personalizada com o apelido dado a Granado pelo companheiro Ernesto “Fuser” Guevara: “Mial” (“Mi Alberto” – “meu Alberto”).
O sorriso que aquela criança de 88 anos soltou quando olhou o seu apelido bordado na camisa é uma imagem que me arrepia só de lembrar. Minhas retinas jamais apagarão aquela cena.
– Que riiiico! [expressão como "que lindo"], disse Delia, enquanto Mial não parava de sorrir e olhar para o presente inesperado.
Como (quase**) todo bom argentino, Alberto era fanático por futebol.Torcia pelo pequeno Belgrano de sua Córdoba natal, mas a paixão pelo jogo era maior do que a clubística.
– Tomaz, assisto a todas as partidas de futebol que passam na TV em Cuba. Não perco uma! – disse, com ênfase, o ex-jogador de rugbi, como também me lembrou.
Além do manto da albiceleste, dei uma camisa do Fluminense, uma dúzia de sabonetes “Granado” e dois pacotes de café brasileiro.
Ambos estavam com ótima saúde e Alberto – que sofria apenas com uma certa dificuldade de locomoção – havia tomado um trago de rum pouco antes de eu chegar.
– Ele come e bebe de tudo. Mas o segredo dele é esse: nada o irrita, nada o aburrece. Esse é o segredo – dizia Delia, enquanto Alberto apenas sorria, orgulhoso.
O casal me relatou com prazer os momentos que tiveram ao Brasil, quando entrou em cartaz “Diários de Motocicleta”.
– Que cena linda aquela que o Walter [Salles] fez com Alberto. Me emociono sempre que vejo – disse Delia, falando da sequência final do filme e depois disse que gostaria de retornar e conhecer melhor as nossas cidades e a nossa gente.
O papo durava mais de hora quando me convidaram para jantar. Com dor, tive que recusar, pensando em Felipe, que esperava no táxi e já estava desde a hora do almoço fora de casa, me carregando para tantos lugares.
Falamos de futebol, da cultura, da ciência e da medicina em Cuba, das dificuldades econômicas da ilha, da alegria e da musicalidade do povo, entre outros assuntos.
Depois me dei conta que praticamente não tocamos no nome de Che, exceto uma ou outra referência que eu ou ele fazíamos ao livro “Com Che pela América do Sul”, delicioso relato da viagem que deu origem ao belíssimo filme de Walter Salles.
No início da conversa, Alberto me informara que não gostava de falar para vídeos. Antes de ir embora, não segurei à tentação. Pedi-lhe uma breve saudação à presidenta Dilma, ao ex-presidente Lula e à juventude brasileira.
O resultado está no vídeo abaixo, do qual peço desculpas pela rudimentar edição. Não disponho da sapiência técnica e muito menos da paciência para editar vídeos.
Infelizmente, talvez este seja o último registro em vídeo do grande Alberto Granado, que veio a falecer dois meses depois do nosso encontro. Era sábado de carnaval e eu estava em Olinda quando recebi o telefonema da Francesca, amiga querida que visitara Cuba dias antes. Triste carnaval no qual deixaram o plano terreno o pai de um amigo, o namorado de uma amiga e Mial.
*Fernando Birri é o autor do belo poema “Utopia”, citado por Eduardo Galeano em seu livro “As palavras andantes” (ilustrado pelo pernambucano J. Borges). Galeano, por displicência dos leitores, quase sempre leva o crédito por esse verso.
“Ela está no horizonte.
Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos.
Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos.
Por mais que eu caminhe, jamais a alcançarei.
Para que serve a utopia?
Serve para isso: para caminhar”.
(Fernando Birri)
**Um dos argentinos célebres que não gostava de futebol era Jorge Luís Borges. Para citar um exemplo, no mesmo horário da partida inaugural da Argentina na Copa de 1978, sediada pelos hermanos, o escritor dava uma conferência sobre imortalidade, no dia 2 de junho daquele ano.
PS: O agradecimento especial ao Daniel “Fonfas” Fonseca, que me passou o endereço do Granado, está no vídeo, mas registro aqui também.


PS2: A pedido do próprio Alberto, suas cinzas estão depositadas em Alta Gracia, Córdoba, no Museu Che, que funciona na casa onde Che cresceu
Rogério Tomaz Jr. 24/12/2011

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