Sócrates, censurado pela Globo, mesmo depois de morto
Sócrates foi um dos maiores jogadores da história do futebol brasileiro.
E era amplamente reconhecido e respeitado pelo seu caráter, pela sua inteligência e pela sua personalidade.
O que nenhum grande veículo da grande mídia cita é que Sócrates era alguém convictamente de esquerda.
Ou melhor, como ele próprio dizia, não era de esquerda ou de direita. Era “socialista no sentido pleno da palavra”*.
Como poucos, Sócrates era um ser humano integral, coerente entre o que pensava/falava e o que fazia.
O seu modo de comemorar gols, muitas vezes sem a intensidade proporcional que gera nos torcedores, mas sempre com o punho cerrado no braço erguido, é uma saudação comunista clássica**.
Ontem, minutos antes do início da partida contra o Palmeiras, na derradeira rodada do Brasileirão 2011, jogadores, torcedores e comissão técnica do Corinthinans o homenageram, imitando o gesto que ele tantas vezes repetiu.
Os dois narradores da Globo (Cléber Machado, na TV aberta, e Milton Leite, na Sportv) mencionaram apenas “a forma como ele comemorava seus gols”.
Não estão errados, óbvio. Mas aplicaram ao pé da letra o Manual da Rede Globo: tornar invisíveis as ideias e os símbolos comunistas, socialistas e da esquerda em geral.
A censura é tão sutil – e ao mesmo tempo insidiosa – que a simples omissão contínua dessa referência, ao longo de tanto tempo, naturaliza a desinfomação. Pouquíssima gente – mesmo muitos corintianos de esquerda – sabe que o gesto de Sócrates era uma menção à ideologia que ele defendia. É possível até que os narradores da Globo não saibam desse “detalhe”.
A não disseminação dessa referência – feita por um ídolo, uma estrela do esporte, uma pessoa pública de grande visibilidade, mas de convicções contrárias ao establishment – é um ótimo exemplo de uma minúscula, embora muito eficiente (inclusive porque é camuflada), ação da guerrilha ideológica que – apresentando-se como algo “natural”, casual – é feita sistemática e permanentemente pelos meios de comunicação.
Em resumo: neutralização ou contrapropaganda ideológica.
Os meios de comunicação (e seus porta vozes) fazem apenas o seu papel – de aparelhos privados de hegemonia, para usar o conceito gramsciano. Cabe a nós combater e desconstruir esta ação deletéria.
Sócrates era (e continuará) sempre saudado como alguém íntegro e um grande profissional, mas não interessa – aos donos do discurso oficial – lembrar que ele também era comunista.
Daí a censura. Sutil e perversa, porque esconde uma dimensão do ser humano Sócrates que faz parte da sua essência e da sua integralidade enquanto pessoa.
Daqui a 100 anos, a persistir essa censura, ninguém saberá que Sócrates se afirmava comunista.
Se é para perpetuar e celebrar a memória de Sócrates, que o façamos na sua integralidade, e não apenas parcial e convenientemente.
*A frase completa de Sócrates, respondendo uma pergunta da jornalista Rodrigues, se ele se considerava uma pessoa de esquerda, numa entrevista à revista Caros Amigos (junho de 2010), é a seguinte:
- Isso é bobagem. Esquerda, direita. Eu sou socialista, não sei se isso é ser de esquerda. Não sei, mas por que de esquerda? Aí é que está, são rótulos. Sou socialista, no sentido pleno da palavra. Comunista. Eu sou cubano, queria ter nascido em Cuba, sou cubano.
**Assim como o punho cerrado é um símbolo comunista, o braço levantado com a palma da mão estendida – a “saudação romana” – é um símbolo dos fascistas, ainda hoje usado pela torcida da Lazio, clube de Roma onde hoje joga o ex-são paulino Hernandes. Um caso polêmico foi o uso do gesto por um jogador da Lazio assumidamente apoiador de ideias fascistas, Paolo di Canio, que chegou a ser multado por conta da atitude.
***Um dos filhos de Sócrates foi batizado de Fidel, em homenagem ao líder cubano. Você também não ouvirá/verá essa informação na grande mídia.
****A saudação comunista do punho cerrado existe muito antes de os Panteras Negras passarem a usá-la e de Tommie Smith e John Carlos a usarem durante a cerimônia de medalha nos Jogos Olímpicos do México, em 1968.
PS: Enfatizo que ele foi censurado “mesmo depois de morto” porque, normalmente, a guerrilha ideológica acaba (ou, pelo menos, arrefece e as características do adversário são reconhecidas) quando o adversário tomba, mas como a memória do Sócrates será eterna, não é bom arriscar…
Viva Sócrates!
Publicado por: Rogério Tomaz Jr.
05/12/2011
Abaixo o vídeo com a homenagem:
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