segunda-feira, 25 de julho de 2011

Desaparecidos políticos

Desaparecidos políticos



O fenômeno da detenção arbitrária ou seqüestro, seguido do desaparecimento da vitima, se propagou rapidamente na América Latina durante as últimas décadas, em que a maioria dos países foi governada sob a Doutrina de Segurança Nacional.


A condição de desaparecido corresponde ao estágio maior do grau de repressão política em um dado pais. Isso porque impede, desde logo, a aplicação dos dispositivos legais estabelecidos em defesa da liberdade pessoal, da integridade física, da dignidade e da própria vida humana, o que constitui um confortável recurso, cada vez mais utilizado pela repressão.


O perseguido político, muitas vezes, para manter-se incólume, opta por viver na clandestinidade, longe do grupo comunitário a que pertence, sem contato com a família, e apenas com a esporá­dica ligação com sua agremiação política, também perseguida e obrigada a se manter clandestina.


Quando os órgãos de segurança conseguem deter uma pessoa nessas circunstâncias, desse fato não tomam conhecimento a socie­dade, os tribunais, a família, os amigos e os advogados do preso.


Isso representa vantagem para os órgãos de repressão, que passam a exercer total poder sobre o preso, para torturá-lo e para exterminá-lo, quando lhes aprouver.


Quando se obtém a certeza da prisão, os organismos de segu­rança já eliminaram a vítima e já destruíram todos os vestígios que pudessem levar ao seu paradeiro.


A perpetuação do sofrimento, pela incerteza sobre o destino do ente querido, é uma prática de tortura muito mais cruel do que o mais criativo dos engenhos humanos de suplício.


No Brasil, alguns desaparecidos foram vistos em dependências oficiais ou clandestinas por outros presos que tiveram melhor sorte. Seus testemunhos constam nos processos analisados pelo Projeto BNM. E sobre os desaparecidos, propriamente ditos, o que emanou


de resultado prático na pesquisa realizada, é a certeza de que eram pessoas procuradas pelos órgãos de repressão. Dificilmente os pro­cessos contêm algum tipo de informação que possa levar à desco­berta de seus paradeiros. Isto porque esta forma de repressão pre­tende, de um lado, insinuar que as autoridades governamentais não seriam responsáveis por esses fatos criminosos, e, por outro, per­mitir aos serviços de inteligência maior mobilidade e desenvoltura, sem provocar nenhuma intervenção, quer do Judiciário, quer da imprensa, quer das famílias e dos advogados.


O único fato que se sabe sobre um desaparecido é que foi detido por organismos de segurança. O mais se baseia em hipóteses. A vitima quase certamente foi objeto de assassinato impune, sendo enterrada em cemitério clandestino, sob nome falso, geralmente à noite e na qualidade de indigente.


No Brasil, existem cerca de 125 cidadãos desaparecidos por mo­tivação política. Os movimentos de anistia e familiares lograram en­contrar alguns deles, sempre enterrados sob falsas identidades, pela policia.


Dentre os casos mais significativos, o Projeto BNM destacou alguns exemplares, como o de Mariano Joaquim da Silva, secretário do Sindicato Rural de Timbaúba, Pernambuco, em 1964, e membro do Secretariado Nacional das Ligas Camponesas, lavrador e sapa­teiro, que foi preso no dia 1º de maio de 1971, em Recife, sob a acusação de ser dirigente da VAR-Palmares. O órgão que efetuou sua prisão foi o DOI-CODI-I Exército, tendo sido levado para o Rio de Janeiro.


Posteriormente, foi transferido para local clandestino de repres­são em Petrópolis (“Casa da Morte”), onde foi visto por Inês Etienne Romeu.


Em seu relatório, Inês afirma ter visto e falado várias vezes com Mariano, que se identificou, tendo-lhe relatado que ali chegara no dia 2 de maio, proveniente de Recife, onde tinha sido preso.


Inês foi inclusive “acareada” com Mariano Joaquim da Silva, perante os torturadores, que queriam, por toda a sorte, saber se ambos já se conheciam. Inês relata ter tido contato com Mariano até o dia 31 de maio, quando na madrugada ouviu uma movimen­tação estranha e percebeu que ele estava sendo removido. No dia seguinte, indagou a seus carcereiros sobre Mariano, os quais lhe disseram que ele havia sido transferido para o quartel do Exército no Rio de Janeiro. Desde então, nada mais se soube de Mariano.


Na residência que serviu como centro clandestino de torturas, em Petrópolis, referida no capitulo 19, Inês Etienne Romeu viu pessoas que são consideradas “desaparecidas” e ouviu referências sobre outras:




6. No mês de julho, estiveram na casa dois militantes da VPR e um da ALN. O primeiro penso ser Walter Ribeiro Novais, ex-salva-vidas de Copacabana. Márcio me afirmou que o mataram. Inclusive na época (oito a quatorze de julho de 1971), houve urna ruidosa comemoração, em virtude de sua morte. O segundo, é urna moça que acredito ser Heleni Gua­riba. Foi barbaramente torturada durante 3 dias, inclusive com choques elétricos na vagina, O terceiro é Paulo de Tarso Ce­lestino da Silva, que foi torturado durante quarenta e oito horas por Dr. Roberto, Laecato, Dr. Guilherme, Dr. Teixeira, Zé Gomes e Camarão. Colocaram-no no pau-de-arara, deram-lhe choques elétricos, obrigaram-no a ingerir uma grande quan­tidade de sal. Durante muitas horas o ouvi suplicando por um pouco d’água.

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