terça-feira, 25 de janeiro de 2011

SOLEDAD BARRET VIEDMA

Soledad Barret Viedma
Em 08 de janeiro fez 37 anos que Soledad Barret Viedma foi assassinada. Ela era militante da VPR - Vanguarda Popular Revolucionária e estava grávida de 7 meses. O pai da criança assassinada ainda em seu ventre era o controverso Cabo Anselmo: o próprio delator de seu esconderijo em uma chácara no loteamento de São Bento, no município de Paulista, em Pernambuco. Junto com outros companheiros de guerrilha, Eudaldo Gomes da Silva, Pauline Reichstul, Evaldo Luís Ferreira de Souza, Jarbas Pereira Marques e José Manoel da Silva, que são torturados e mortos pelo assassino profissional a serviço da ditadura, delegado Sérgio Paranhos Fleury do DOPS Paulista, amigo de Erasmo Dias, que faleceu recentemente sem responder a um processo sequer. O episódio ficou conhecido como "massacre da chácara São Bento".


Militante da VANGUARDA POPULAR REVOLUCIONÁRIA (VPR).
Nasceu em 6 de janeiro de 1945, no Paraguai.
Casada com José Maria Ferreira de Araújo (desaparecido), tiveram uma filha, que hoje vive no Estado de Santa Catarina.


Foi assassinada sob torturas no Massacre da Chácara São Bento, ocorrido no dia 8 de janeiro de 1973, pela equipe do delegado Sérgio Fleury.


Juntamente com Soledad, que estava com 4 meses de gravidez, foram assassinados Pauline Reichstul, Eudaldo Gomes da Silva, Jarbas Pereira Marques, José Manoel da Silva e Evaldo Luiz Ferreira.


As circunstâncias do massacre que vitimou Soledad e seus companheiros estão na nota referente a Eudaldo Gomes da Silva.


De sua irmã Namy Barret:
"Seu nome refletia a ausência de nosso pai, que já nessa época era perseguido por suas idéias políticas, como o fora também seu pai, nosso avô, o escritor Rafael Barret.
Quando Soledad tinha apenas 3 meses tivemos que fugir para a Argentina, onde passamos a viver num pequeno povoado às margens do Rio Paraná, durante 5 anos; quatro dos quais, nosso pai esteve preso ou perseguido, tanto pela polícia paraguaia como argentina.


Regressamos ao Paraguai e Soledad, com seus cinco anos e sua maneira de ser tão doce, se converteu na adoração de quem a via. Tinha uma forma de falar pausada que lhe valeu o apelido de 'viejita' entre seus irmãos. Era uma criatura formosa, de cabelos cor de ouro, macios e longos, pele branca e sobrancelhas de cor castanho escuro, quase negro. Não gostava de caminhar, preferia sentar-se e inventar histórias entre longos suspiros que provocavam o riso e manifestações de carinho de todos que a ouviam...


Adolescente e exilada no Uruguai, dona de uma graça especial para a dança folclórica, se converteu pouco a pouco no símbolo da juventude paraguaia nesse país, tanto que não havia um ato de solidariedade em que ela não era a artista convidada.


Eram tempos de mudanças no Uruguai, a tradição democrática ia perdendo terreno, estava sendo minada. No dia 1° de julho de 1962, Soledad foi raptada por um grupo néo-nazista que a colocou em um automóvel e, sob ameaças de todos os tipos, quiseram obrigá-la a gritar palavras de ordem totalmente contrárias às suas idéias.


Soledad se negou. Então, com uma navalha lhe gravaram na carne uma cruz gamada, símbolo de Hitler e a abandonaram em um local escuro, atrás do parque zoológico de Villa Dolores.


Era o começo das perseguições, prisões e torturas no Uruguai.


Soledad, de vítima passou a ser 'culpada' para a polícia e foi de tal forma a perseguição que teve que ir-se. Esteve muitos anos longe de sua família, de sua terra. Um dia conheceu José Maria, se amaram e tiveram uma filha, mas o destino estava traçado, e ele retornou a seu Brasil.


Ela em vão o esperou por mais de um ano e decidiu vir a seu encontro. O fruto desse amor é o mais fiel testemunho do triste destino do nosso Continente. Crianças sem pais, sem o direito de serem crianças, sem o direito à felicidade.


(Namy Barret - transcrito do Boletim "Hasta Encontrarlos!", publicação da Federação Latinoamericana de Familiares de Desaparecidos - FEDEFAM, Ano IX, n° 46, mayo-junio de 1991.)


Os Relatórios dos Ministérios da Marinha e da Aeronáutica dizem que "foi morta em Paulista/PE em 8 de janeiro de 1973 ao reagir a tiros à ordem de prisão dada pelos agentes de segurança."


Fora casada anteriormente com José Maria Ferreira de Araújo, desaparecido e provavelmente assassinado, responsável por sua vinda para o Brasil. Viveu na Argentina e no Uruguai, onde foi raptada por um grupo néo-nazista que a colocou em um automóvel e, sob ameaças de todos os tipos, quiseram obrigá-la a gritar palavras de ordem totalmente contrárias às suas idéias. Ela se negou e então, com uma navalha lhe gravaram na carne uma cruz gamada, símbolo de Hitler e a abandonaram em um local escuro, atrás do parque zoológico de Villa Dolores. Para a polícia uruguaia, também vivendo em época de ditadura, foi considera não vítima, mas culpada. Sua situação era insustentável. Um dia conheceu José Maria, se amaram e tiveram uma filha, mas o destino estava traçado, e ele retornou a seu Brasil. Ela acabou por vir um ano mais tarde. A filha de Soledad vive hoje em Santa Catarina.


Os torturadores e assassinos crivaram de balas os cadáveres dos seis combatentes, jogaram várias granadas na casa da referida chácara, com o objetivo de aparentar um violento tiroteio, dizendo que lá se realizava um suposto congresso da VPR. Na versão oficial, constava que José Manoel da Silva teria sido preso e conduzido os policiais até o local onde se realizava o congresso, sendo morto pelos próprios companheiros durante a invasão. No tiroteio travado, teria conseguido escapar Evaldo Luís Ferreira de Souza que, no dia seguinte, foi localizado no município de Olinda, numa localidade chamada "Chã de Mirueira" - Jatobá, e ao resistir à prisão, teria sido morto. Segundo ainda a nota, só Jarbas Pereira Marques teria morrido no local, sendo que os outros morreram, em conseqüência dos ferimentos recebidos.


Na realidade, todos foram presos pela equipe do delegado Sérgio Fleury, que os torturou até a morte, na própria chácara.


Cabo Anselmo foi um dos estopins da revolução de 1964 ao ter sido líder do protesto dos marinheiros. O então ministro de João Goulart prendeu todos os integrantes do motim mas o presidente destituiu o ministro e anistiou os revoltosos. Com a instalação da ditadura, Anselmo, que na realidade era soldado e não cabo, fugiu do Brasil, esteve no Urugai, foi para Cuba aprender táticas militares e retornou na clandestinidade. Em 1970 foi preso pelo mesmo Fleury e, para preservar sua vida, tornou-se (já era) agente duplo, atuando ao lado da guerrilha e fornecendo informações à ditadura, o que causou o assassinato de vários companheiros. Chegou a solicitar reconhecimento como vítima da repressão e solicitou aposentadoria com base em sua patente na Marinha Brasileira.
Época conturbada na qual não haviam direitos. Muito menos humanos. Época que deve ser lembrada. Assassinatos que devem ser investigados e julgados, pois se deram sem direito algum, sem julgamento e com requintes de crueldade.


Hoje, os amigos da ditadura querem que, como no passado, Soledad seja apontada, pela segunda vez, como culpada e não como vítima.


Um poema-homenagem de Mario Benedetti


MORTE DE SOLEDAD BARRET


Viveste aqui por meses ou por anos


traçaste aqui uma reta de melancolia


que atravessou as vidas e a cidade


Faz dez anos tua adolescência foi notícia


te marcaram as coxas porque não quiseste


gritar viva hitler nem abaixo fidel


eram outros tempos e outros esquadrões


porém aquelas tatuagens encheram de assombro


a certo uruguai que vivia na lua


e claro então não podias saber


que de algum modo eras


a pré-história do íbero


agora metralharam no recife


teus vinte e sete anos


de amor de têmpera e pena clandestina


talvez nunca se saiba como nem por quê


os telegramas dizem que resististe


e não haverá mais jeito que acreditar


porque o certo é que resistias


somente em te colocares à frente


só em mirá-los


só em sorrir


só em cantar cielitos com o rosto para o céu


com tua imagem segura


com teu ar de menina


podias ser modelo


atriz


miss paraguai


capa de revista


calendário


quem sabe quantas coisas


porém o avô rafael o velho anarco


te puxava fortemente o sangue


e tu sentias calada esses puxões


soledad solidão não viveste sozinha


por isso tua vida não se apaga


simplesmente se enche de sinais


soledad solidão não morreste sozinha


por isso tua morte não se chora


simplesmente a levantamos no ar


desde agora a nostalgia será


um vento fiel que flamejará tua morte


para que assim apareçam exemplares e nítido


as franjas de tua vida


ignoro se estarias


de minissaia ou talvez de jeans


quando a rajada de pernambuco


acabou completo os teus sonhos


pelo menos não terá sido fácil


cerrar teus grandes olhos claros


teus olhos o­nde a melhor violência


se permitia razoáveis tréguas


para tornar-se incrível bondade


e ainda que por fim os tenham encerrado


é provável que ainda sigas olhando


soledad compatriota de três ou quatro povos


o limpo futuro pelo qual vivias


e pelo qual nunca te negaste a morrer.


Mario Benedetti




Amigos, aquilo que há muitos e muitos anos eu sentia por todos os poros e sentidos, aquilo que meu faro pressentia, que a hora de Soledad Barret Viedma se acercava, agora chegou. Em julho, a Boitempo Editorial publicou o meu, o nosso livro, "Soledad no Recife". (Urariano Mota)

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