Nesta semana, até 30 de janeiro, aniversário do martírio do Mahatma Gandhi, a Índia e o mundo inteiro recordam sua vida consagrada à paz e procuram a cada ano, reavivar a inestimável herança que Gandhi deixou para a humanidade. Sua luta pacífica através da Satyagraha, o caminho da verdade e ahimsa, a não violência, além de trazer para a Índia a independência política, inspirou líderes como o bispo Desmond Tutu e Nelson Mandela na África do Sul, o pastor Martin-Luther King na luta contra a discriminação racial nos Estados Unidos e todo o trabalho de Dom Hélder Câmara no Brasil da ditadura militar por uma insurreição evangélica a partir da justiça e da paz. Gandhi foi assassinado no dia 30 de janeiro de 1948 por um hindu fanático que não aceitava que ele, hindu, estivesse morando em um bairro de muçulmanos para vivenciar o diálogo entre as religiões. Atualmente, na Índia, um partido político prega que ser hindu de nacionalidade significa pertencer à religião hinduísta. E assim todos os hindus muçulmanos, judeus ou cristãos são considerados traidores. Infelizmente, mais de 60 anos depois, o mundo de hoje não está mais tolerante e capaz de ser um espaço de convivência nas diferenças. Ao contrário, tem se revelado mais perigoso e intransigente. Por isso, é urgente recordar a herança do Mahatma Gandhi e atualizá-la para nós e para toda a humanidade. Alguns de seus pensamentos percorrem o mundo inteiro e propõem um novo modo de agir: "Comece por você mesmo a mudança que propõe ao mundo". "Você pode se considerar feliz somente quando o que pensa, diz e o modo como age estiverem em completa harmonia". Aí está uma profunda indicação de caminho. Em vários países da América Latina, está crescendo um processo social e político inspirado em Simon Bolívar, venezuelano que no inicio do século XIX propunha libertar os países latino-americanos do domínio espanhol e das injustiças internas como a escravidão e a miséria de tanta gente. Bolívar propunha fazer de toda a América do Sul uma única "pátria grande", livre e solidária. Para isso, propunha uma revolução baseada na educação para todos e no reconhecimento dos direitos civis e igualdade de todos os cidadãos, índios, negros e lavradores. Atualmente, na Venezuela, este processo político se chama "revolução bolivariana", no Equador "revolução cidadã" e na Bolívia, "revolução indígena". Nestes países e em outros, este caminho tem se dado através dos instrumentos democráticos das eleições e da discussão de novas constituições que garantam os direitos de todas as pessoas e grupos até aqui marginalizados. Este caminho baseado nas culturas ancestrais dos povos indígenas e com a participação de muitas comunidades cristãs de base tem assumido como método a não violência de Gandhi e o exemplo de muitos homens e mulheres que consagram a sua vida pela justiça e pela libertação dos povos no caminho da paz. Na Argentina, Adolfo Perez Esquivel, escultor e ativista cristão pelos Direitos Humanos, recebeu o prêmio Nobel da Paz. Também, em 1992, Rigoberta Menchu, índia Maya da Guatemala foi agraciada com o mesmo prêmio por sua luta pacífica pela libertação do seu povo e sua mensagem de esperança para todo o continente.
Nas novas Constituições nacionais, aprovadas no Equador e na Bolívia, um dos princípios fundamentais colocados como meta do Estado é garantir o "bom viver" que cada povo indígena chama de uma forma diferente (suma kawsay ou suma kamana ou ainda com outros nomes), mas significa a opção por uma vida plenamente sadia, baseada no princípio da sustentabilidade ecológica e social e na dignidade de todas as pessoas. O "bom viver" privilegia o coletivo e não o individual e busca uma cultura da sobriedade e da partilha solidária na relação com a Terra e na forma de desenvolver a educação e a saúde. Quem é cristão, logo se recorda de que esta busca de uma vida que seja verdadeira e plenamente vivida é o objetivo pelo qual Jesus de Nazaré define a sua missão: "Eu vim para que todos tenham vida e vida em abundância" (Jo 10, 10).
Apesar de que estes caminhos políticos bolivarianos são intuições latino-americanas e a partir das necessidades do mundo deste início do século XXI, sem dúvida, podem se considerar uma digna e bela realização da herança do Mahatma Gandhi na vida de nossos povos.
Marcelo Barros *
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