terça-feira, 25 de janeiro de 2011

FREDERICO EDUARDO MAYR

Militante do MOVIMENTO DE LIBERTAÇÃO POPULAR (MOLIPO).


Nasceu em Timbó, Santa Catarina, em 29 de outubro de 1948, filho de Carlos Henrique Mayr e Gertrud Mayr.
Foi baleado e preso pelos agentes do DOI/CODI-SP no dia 23 de fevereiro de 1972, na avenida Paulista, em São Paulo.


Levado às câmaras de tortura do DOI/CODI, apesar de ferido com um tiro no abdômen. Frederico foi visto pelos outros presos recolhidos àquele órgão de repressão política, sendo torturado na chamada "cadeira de dragão".


Vários companheiros, estiveram com ele antes de ser morto pelos torturadores. Entre os quais, José Carlos Gianini, que afirma não haver possibilidades de Frederico ter travado tiroteio com os policiais, nem mesmo se tivesse conseguido fugir, pois estava muito debilitado devido ao ferimento a bala e às torturas.


Segundo os depoimentos desses presos, foi torturado até a morte pelos integrantes da Equipe "C" do DOI/CODI paulista, investigador de Polícia Federal "Oberdan", investigador de polícia do DEOPS lotado no DOI/CODI Aderval Monteiro, vulgo "Carioca", escrivão de polícia Gaeta, vulgo "Mangabeira" e um policial conhecido como "Caio", da Polícia Civil de São Paulo, todos comandados pessoalmente pelo hoje general da reserva Carlos Alberto Brilhante Ustra, chefe do DOI-CODI e pelo vice-chefe, Tenente-Coronel Dalmo Lúcio Muniz Cirillo.


No processo n° 100/72 da 2ª Auditoria Militar de São Paulo, vários presos políticos denunciaram a prisão e morte de Frederico, pois o estavam processando como revel, quando o Juiz Nelson Machado Guimarães fez excluir seu nome, extinguindo sua punibilidade por morte, só reconhecida naquele momento. As várias denúncias feitas nunca foram registradas devido à negativa do referido juiz.


Enterrado sob nome falso no Cemitério Dom Bosco, em Perús/SP, seus restos mortais estavam na Vala de Perus. A ossada de n° 246 era de Frederico, sendo identificada, em 1992, no Departamento de Medicina Legal da UNICAMP. Seus restos mortais foram trasladados para o jazigo da família, no Rio de Janeiro, em 13 de julho de 1992.


Todos documentos policiais têm seu nome verdadeiro e na ficha individual (documento do DOPS/SP 30Z-165-124), além do nome verdadeiro, dados de qualificação, ficha datiloscópica e fotos de frente e de perfil, há também os nomes falsos. Portanto, Frederico foi identificado pelos órgãos da repressão. No DOPS/SP foi encontrada ficha individual , feita no dia 24 de fevereiro de 1972, pelo Serviço de Identificação do Exército com fotos de Frederico ainda vivo, catalogada no DOI sob o n° 1112 e que dá como local da prisão a avenida Paulista e data de 23 de fevereiro de 1972. No entanto, sua certidão de óbito foi lavrada em nome de Eugênio Magalhães Sardinha e enterrado como indigente no Cemitério de Perús/SP.


Assinaram o laudo da necrópsia os médicos legistas Isaac Abramovitch e Walter Sayeg.


Um documento encontrado no arquivo do antigo Dops/SP, conta a mesma história afirmada pelo IML. O que impressiona na versão oficial são os detalhes do inacreditável tiroteio, onde ele teria morrido. Diz o documento, que os guerrilheiros, a bordo de um fusca "começaram a atirar contra os policiais sem serem provocados". No combate que aconteceu, só Frederico caiu morto e os demais ocupantes do veículo não foram mais citados, nem como presos, nem como foragidos.


Dona Gertrud, sua mãe, dá o seguinte depoimento:


"O segundo de meus três filhos, Frederico foi educado com muito amor dentro dos mesmos princípios que eu recebi de meus pais. Em meio aos valores encontrados em Timbó, área de colonização européia, lugar onde eu nasci e fui criada, Frederico cedo aprendeu que todos os homens são iguais e têm o seu valor próprio independente de seu trabalho. Ainda criança, veio para o Rio de Janeiro. Viemos todos. Seu pai, Carlos Henrique Mayr é médico e estabelecido com sucesso na Zona Sul do Rio de Janeiro. Convivendo no meio agitado do Rio, Frederico manteve o ensinamento de como a liberdade de um limita a liberdade do próximo, esforço que fiz para prepará-lo a viver harmoniosamente na coletividade. Sempre atento às necessidades dos outros e generoso, demonstrava grande sensibilidade, qualidades próprias que, combinadas com a formação que Ihe dei, o levaram a se preocupar com o próximo. Cursou o primário na escola municipal Dr. Cócio Barcellos, uma escola da rede pública em Copacabana, próxima de nossa casa, ensino igual para todos, princípio que achávamos importante em sua educação. Fez seu curso ginasial e científico no Colégio Mallet Soares, também em Copacabana. Ingressou na Faculdade aos dezoito anos de idade. Foi um escoteiro exemplar, dos sete aos dezesseis, na Tropa Baden Powell. Gostava muito da vida em contato com a natureza, dos acampamentos. Praticou a pesca submarina na adolescência. Era namorador e queria ser arquiteto.


Cursava o segundo ano da Faculdade de Arquitetura da UFRJ e se dedicava às artes plásticas, quando foi forçado, pelas circunstâncias, a sair de casa para viver na clandestinidade. Tinha um futuro promissor pela frente, tanto na arquitetura como nas artes. Seu desempenho foi elogiado tanto por seus professores na faculdade, e entre eles Ubi Bava, como por artistas plásticos com quem se relacionava, Ilio Burrini e Ivan Serpa, os mais próximos. Serpa foi o primeiro que lhe ensinou os segredos das tintas e dos pincéis e como dividir o espaço nas telas. Participou coletivamente de sua primeira exposição apresentando dois trabalhos aos quinze anos. Frederico não foi o filho que eu perdi, mas o meu filho que todos nós perdemos. Quando existe um nascimento, sabemos que vai existir a morte. Mas o que aconteceu comigo, com a minha família e outras em situação semelhante, não segue a lei natural.


O que se passou conosco foi uma afronta à dignidade humana. Frederico Eduardo, julgado e absolvido, no Conselho Permanente de Justiça, em 21 de setembro de 1972, inocência confirmada no STM em 15 de fevereiro de 1974, já não era vivo. Baleado, preso e torturado por agentes do DOI/CODI de São Paulo, Frederico Eduardo havia morrido em 22 de fevereiro de 1972, fato que só vim a saber muitos anos depois.


Em outro depoimento sua mãe conta:


"Em 1969, em um dos primeiros processos nas Auditorias Militares do Rio de Janeiro, meu filho viu-se envolvido em uma ação penal que tinha como co-réus os cidadãos Jorge Raymundo Jr., Carlos Fayal, Carlos Alberto Nolasco e outros, sendo Frederico condenado à revelia à pena de três anos. Essa condenação motivou protesto de Jorge Raymundo em plena sessão de julgamento, quando, aos gritos, disse que Frederico era inocente.


A partir dessa condenação, meu filho entrou para a clandestinidade. A família recebeu um bilhete dele pedindo para trancar matrícula na Faculdade. Não recebemos mais informações dele.


No final de 1972, em uma outra ação penal na Justiça Militar do Rio de Janeiro, foi juntado por um advogado um recorte de jornal que noticiava a morte de Flávio Carvalho Molina. Embora essa notícia não mencionasse Frederico, a família pediu ao advogado Mário Mendonça que fosse a São Paulo para obter informações. O advogado voltou dizendo que nada constava em São Paulo segundo as informações que recebera das autoridades sobre uma eventual prisão ou morte de Frederico. Foi neste momento que Nelson Lott me perguntou se Frederico ainda estava vivo. A partir desse instante tomei consciência de que meu filho pudesse ter sido preso e eventualmente morto.


Foi somente em 1979, quando da promulgação da Lei de Anistia, que vimos o nome de meu filho ser publicado em listas dos Comitês Brasileiros pela Anistia, ora como morto, ora como desaparecido. Membros do CBA/SP procuraram familiares meus no Rio de Janeiro com cópias de documentos do processo, onde as autoridades judiciárias extinguiam sua punibilidade por ter sido morto por órgãos de segurança e enterrado no Cemitério de Perus sob o falso nome de Eugênio Magalhães Sardinha. Na justiça foi feita retificação do assentamento de óbito, substituindo os dados falsos pelos verdadeiros. Após ter sido encontrado enterrado em Perus, sob o nome falso de Nelson Bueno, o perseguido político Luis Eurico Tejera Lisboa (o primeiro desaparecido político encontrado), em 1979, fui ao Cemitério de Perus para buscar informarções sobre meu filho e naquele registro não constava o nome de Frederico nem se encontrou anotações com o sobrenome Sardinha.


Apesar da informação da morte constar em processo na Justiça Militar, meu filho continuou a responder a outras ações penais em outras auditorias militares."


Jornal A Notícia/Joinvile - 04/07/03


Outra vítima inocente da cadeira do dragão


"Segundo de meus três filhos, Frederico foi educado com muito amor dentro dos preceitos que recebi de meu pai. Desde cedo aprendeu que os homens são iguais e têm o seu valor próprio independente de seu trabalho. Era namorador, queria ser arquiteto. Frederico não foi o filho que eu perdi, mas o filho que todos nós perdemos. O que se passou conosco foi uma afronta à dignidade humana. Frederico, julgado e absolvido, inocência reafirmada no Superior Tribunal Militar em 1974, já não era mais vivo. Baleado, foi preso e torturado até morrer, três dias depois".


(Depoimento da mãe de Frederico, Gertrud Mayr)


Mesmo absolvido em inquérito policial, Frederico Eduardo Mayr foi preso e torturado até a morte em 1972


A cadeira do dragão contabilizava mais uma vítima. O jovem sobre o assento agonizava com o buraco de tiro na barriga, recebido horas antes. A equipe "C" estava a postos. Oberdan, Carioca, Mangabeira e Caio, todos policiais civis paulistanos formados na arte da tortura pela cartilha do hoje general da reserva Carlos Alberto Brilhante Ustra, insistiam em protagonizar o sofrimento com choques elétricos e batidas com uma madeira dura nas debilitadas pernas do rapaz. A cadeira era um instrumento de tortura pesado, com zinco em sua base. Na parte posterior havia terminais de choque, aplicados em todas as partes do corpo. Tinha também uma travessa de madeira que empurrava as pernas para trás. A cada espasmo do choque, as pernas batiam na travessa, causando ferimentos. Frederico Eduardo Mayr, 24 anos, pedia clemência a seus sarcásticos algozes. Em vão. Torturado por mais 72 horas ininterruptas, não resistiu e morreu.


Frederico Eduardo Mayr era o do meio de uma família com três filhos. Alegre, comunicativo, tinha inclinação para as artes, principalmente as plásticas. Seus quadros continham cores vivas, mostrando o cotidiano de sua vida. Seu sonho era ser arquiteto. Filho de descendentes alemães e suíços, nasceu em Timbó em 1948 e enfrentou desde cedo uma educação rígida do pai. "Nada do que os filhos faziam era bom", recorda a mãe, Gertrud.
A mãe sempre se preocupou com a educação dos filhos. Sempre que podia, levava as crianças a exposição de artes, concertos musicais e museus. Isso ficou mais freqüente quando a família se mudou para o Rio de Janeiro, onde o patriarca, Carlos Henrique, médico, iria clinicar. Frederico não tinha intimidade com a música; preferiu a pintura. Ao contrário de sua mãe, que sempre dedilhava canções clássicas no piano recostado na sala de estar da residência da família. Como não tinha muito dinheiro para comprar material, Frederico improvisava. Construía suas próprias telas, o que dava ainda mais originalidade a seu trabalho.


Convivendo com a agitação cultural do Rio de Janeiro da década de 60, Frederico aos poucos construiu um círculo de amizades onde pôde debater política e sociedade sem constrangimentos. O grupo se reunia de tempos em tempos para discutir a situação do País, ações que pudessem ser feitas para melhorar as condições sociais da maioria da população. Daí para a militância foi um passo. Depois de 1968, integrou-se ao Movimento de Libertação Popular (Molipo) e passou a efetuar ações coordenadas com o grupo. Passou a viver na clandestinidade.


Na versão oficial, teria sido preso em 23 de fevereiro de 1972, na avenida Paulista, quando fazia contatos com companheiros estabelecidos em São Paulo. O inquérito policial militar aponta para um tiroteio entre Frederico e policiais, quando ele foi ferido na barriga. Um documento encontrado posteriormente pela família no Dops dá detalhes do inacreditável tiroteio, em um texto recheado de contradições. Diz o documento "que os guerrilheiros, a bordo de um Fusca, começaram a atirar contra os policiais sem serem provocados". No combate que teria acontecido, só Frederico foi baleado e os demais ocupantes do veículo não foram mais citados, nem como presos, nem como foragidos. Frederico foi enterrado como indigente no cemitério de Perus e seus restos mortais só foram identificados oficialmente em 1992.


"A arte amenizou minha dor"


Blumenau - Demorou longos anos para que Gertrud Mayr convivesse com mais naturalidade com a perda trágica do filho Frederico. O ópio para a dor veio das artes. Foi só depois que começou a pincelar telas que ela conseguiu alento para continuar vivendo. "A arte amenizou minha dor da perda", reconhece Gertrud, enquanto passeia com as mãos pelas obras que faz questão de mostrar num ateliê improvisado na casa de idosos onde vive, em Blumenau. "Agora consigo falar sobre isso e entendo que o sacrifício dele está servindo. Um pouco, mas está servindo".


Gertrud lembra da perseguição que a família teve de suportar enquanto Frederico não era detido. "É quase como morrer aos poucos", relembra, ao contar a revista de policiais na casa da família no Rio de Janeiro. "Um deles chegou a pegar o menino, o Luiz Roberto (outro filho) para interrogar", diz. Outro alívio para dona Gertrud foi encontrar os restos mortais do filho, na vala de Perus, em São Paulo. Foi um peso retirado dos ombros. "Se não tivesse recebido a identidade do meu filho não estaria assim, vivendo. Estaria um caco, talvez até em cadeira de rodas", acredita. No pequeno apartamento do lar onde vive, guarda fotos e quadros pintados por Frederico.


Os irmãos Carlos Henrique, médico, 56 anos, e Luiz Roberto, arquiteto, 46, continuam sofrendo com a morte de Frederico. "À medida que o tempo vai passando fica ainda mais difícil lidar com tudo isso", reconhece Luiz Roberto. "Essas pessoas foram à luta, atrás de seus ideais. É um exemplo que fica", diz ele. Quando passou a viver na clandestinidade, Frederico perdeu um pouco do contato com a família. Ele foi julgado por participação em assalto a banco e condenado à revelia. O pai se recusou a pagar advogado, deixando o caso para a defensoria pública. "Quando Frederico pediu ajuda ao pai, ele não levou a sério", recorda Gertrud. Foi a partir da condenação que ele passou a viver na clandestinidade, depois de trancar a matrícula na faculdade de arquitetura. (LFA)


Nome Frederico Eduardo Mayr
Nascimento 1948, em Timbó/SC
Profissão Estudante
Militância Movimento de Libertação Popular (Molipo)


Morto em 1972. Corpo localizado na vala de Perus e identificado em 1992. Enterrado no jazigo da família, no Rio de Janeiro

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