terça-feira, 25 de janeiro de 2011

O PAPELÃO DE ASSESSORES DE IMPRENSA NA DITADURA

POR TRÁS DO PODER



O papelão de assessores de imprensa na ditadura


Por Urariano Mota em 25/1/2011


No Planalto, com a Imprensa / Entrevistas de secretários de Imprensa e porta-vozes: de JK a Lula (2 vol.), de André Singer, Mário Hélio Gomes, Carlos Villanova, Jorge Duarte (orgs.), 412 pp., Fundação Joaquim Nabuco-Editora Massangana e Secretaria de Imprensa da Presidência da República, Recife e Brasília, 2010; reproduzido do Direto da Redação, 19/01/2011; intertítulos do OI


Do livro No Planalto, com a imprensa, cujos dois volumes reúnem entrevistas de secretários de imprensa e porta-vozes de JK até Lula, prefiro ressaltar frases de assessores que serviram à ditadura brasileira. Nas passagens que o eufemismo recomendaria chamar de momentos menos honrosos, são indicadas ações vis como se fossem coisas bobas, ossos do ofício de experientes assessores, entre um riso e outro.


É sintomático do nível geral do jornalismo que ninguém mais se espante com informações graves, como estas cândidas palavras de Carlos Chagas, assessor de Costa e Silva, ao lembrar seus tempos de O Globo:


"As informações sobre o que podia ser veiculado vinham dele, Roberto Marinho. Mas era esporádico, vinham de vez em quando porque o Roberto Marinho era daqueles jornalistas antigos que não admitiam notícia política, vamos dizer, elaborada pelo repórter. Ele tinha uma orientação clara: `Tem que escrever: Fulano de tal disse a O Globo, disse a O Globo, disse a O Globo. Aí, publique tudo o que você quiser, na boca do outro.´ Era esperto, não? Para O Globo não ser acusado de nada."


"Era bom conhecer o outro lado"


Não há sequer um tímido parêntese ou palidez de itálico para o ato de enfiar palavras não ouvidas na boca de terceiros. Nem mesmo para este comportamento de repórteres, no depoimento de Humberto Barrada, assessor de Geisel:


"Certa vez, um jornalista de O Estado de S. Paulo havia escrito uma matéria com uma declaração do presidente em uma reunião e veio me mostrar. Eu disse: `Não foi isso o que ele falou. O senhor está enganado.´ E ele insistiu: `Foi, sim.´ Então, disse eu: `Dê-me o papel e espere aí.´ Fui ao gabinete do presidente e lhe mostrei a matéria. Ele corrigiu de próprio punho, a lápis... Corrigido o texto pelo próprio presidente, voltei ao jornalista e disse: `Pronto, está aqui. Com a letra dele. Está satisfeito?´ `Pô, é mesmo, foi ele mesmo quem escreveu.´ `Claro!´"


Ou de Saïd Farhat, antes de ser porta-voz de Figueiredo:


"Fui procurado pelo Severo Gomes, então ministro da Indústria e Comércio. Ele disse: `O presidente Geisel me autorizou a convidar você para ser presidente da Embratur. Você aceita?´ Eu respondi: `Aceito, sim. O que a Embratur faz?´"


Em outro ponto, ele, assim como todos assessores da ditadura, se refere à campanha para a presidência. Mais de uma vez fala "durante a campanha"... Isso para lembrar a circulação do ditador escolhido, eleito com voto de cartas marcadas, no Congresso Nacional. Como a ditadura gostava de parecer democrática.


Ainda que o livro não tenha qualquer espírito investigativo, pois as palavras dos entrevistados são sempre as últimas, e se aceitam sem qualquer contraditório, aqui e ali saltam atos falhos. A primeira coisa que se ressalta é a banalização da ditadura. É como se um golpe de Estado, censura, clima de terror, torturas e assassinatos não fossem o preço necessário para o acesso agradável aos ditadores. Um serviço à ditadura que assim é justificado por Carlos Chagas:


"Ser secretário de Imprensa do presidente era um posto no qual se ficava no foco, importante, um passo adiante na carreira... porque era bom conhecer o outro lado, como é que funciona, porque até então eu só conhecia o lado de cá... Eu iria participar da abertura e ia acabar com o AI-5."


Ordem do Império Britânico


Ou aqui, em Marco Antônio Kraemer, segundo assessor de Figueiredo: "Todos nós queríamos liberdade, tinha que acontecer. E era melhor acontecer, como vou dizer... sob controle. Era melhor do que explodir".


Mas nada se compara a Alexandre Garcia, que esteve numa posição intermediária entre assessor do assessor e secretário do secretário de imprensa de Figueiredo. Ele assim se dirigiu, em suas primeiras horas de poder, ao general Rubem Ludwig: "Agora, gostaria de ouvir os seus conselhos de como proceder lá dentro porque costumo vestir a camisa dos lugares onde trabalho." Sincero o jornalista, sem dúvida.


Para Alexandre Garcia, enfim, nada é mais honroso que isto, exibido com orgulho em seu currículo: "Condecorado com a OBE (Ordem do Império Britânico) pela Rainha Elizabeth". Salve, Rainha. Por tal honra, John Reed e semelhantes se torcem até hoje de inveja.

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