terça-feira, 31 de agosto de 2010

UM TORTURADOR CHAMADO JESUS CRISTO …CODINOME DE DIRCEU GRAVINA

Impunes, por enquanto


20/06/2008 14:48:03


Gilberto Nascimento e Rodrigo Martins


O delegado Dirceu Gravina sentiu tremores e falta de ar quando indagado, na terça-feira 17, em frente à delegacia de polícia onde trabalha, em Presidente Prudente (SP), sobre suas atividades nos porões do DOI-Codi (Departamento de Operações de Informações e Centro de Operações de Defesa Interna) de São Paulo, no início dos anos 70. Gravina, conhecido na época pelo codinome JC, quase perdeu a fala. Ele é citado por ex-presos políticos como um dos mais ferozes torturadores brasileiros no período da ditadura militar no País. Gravina nega. Mas tem motivos para se preocupar. Passados mais de 30 anos, os generais brasileiros responsáveis por torturas, mortes e desaparecimentos inexplicáveis não foram levados aos tribunais. Mas os agentes envolvidos na repressão política no País ainda temem cobranças pelos crimes que praticaram. Familiares dos mortos e desaparecidos também insistem na aplicação de punições, a exemplo do que ocorreu em países como Argentina e Chile. Duas famílias, a Silva Telles (com cinco de seus representantes) e a de Luiz Eduardo Merlino, movem processos na Justiça contra acusados de assassinatos e tortura. Agora, o Ministério Público Federal (MPF) também encaminhou ação à Justiça Federal para responsabilizar civilmente torturadores e autoridades da época da ditadura militar no Brasil por crimes cometidos no DOI-Codi paulista, entre 1970 e 1976. A Procuradoria-Geral da República de São Paulo avalia que agentes públicos, “notadamente da União Federal”, praticaram abusos e atos criminosos contra opositores ao regime, “em violação ao princípio da segurança pessoal”. Ilegalidades ocorridas naquela instituição militar, como as prisões ilegais, torturas, homicídios e desaparecimentos forçados, são consideradas pelo Ministério Público como crimes de “lesa-humanidade”. A ação lembra que o Comitê de Direitos Humanos da ONU recomendou ao governo brasileiro que torne públicos os documentos sobre violações aos direitos humanos no País e responsabilize os autores de todos esses crimes. A ação tem alvos específicos: os então comandantes do DOI-Codi naquele período, o hoje coronel do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra, que vive em Brasília, e o tenente-coronel Audir Santos Maciel, do Rio de Janeiro. Ustra já responde a processos de responsabilização das famílias Telles e Merlino. Caso o pedido do MPF seja aceito, ele e Maciel não poderão mais exercer cargos públicos. São citados ainda dois superiores de Ustra e Maciel: o comandante do II Exército na época, general Ednardo D’Ávila Mello, e o subcomandante do órgão, capitão Dalmo Cirillo. Ambos estão mortos. Os ministros do Exército, generais Orlando Geisel (de 1969 a 1974), Vicente Dale Coutinho (1974) e Sylvio Frota (de 1974 a 1977), só não integram o processo porque também já faleceram. O mesmo ocorre com os ditadores de plantão Emílio Garrastazu Médici e Ernesto Geisel, assim como o poderoso chefe do Centro de Informações do Exército (CIE) na época, general Milton Tavares de Souza, que depois virou comandante do II Exército. Todos já morreram. Em paz e impunes. A política de repressão e perseguição ampla “mediante violência” partiu, naquele momento da história do País, da Presidência da República e do Ministério do Exército, avalia o procurador regional Marlon Alberto Weichert, autor da ação juntamente com a colega Eugênia Gonzaga Fávero. Assim, se os responsáveis pelas torturas não tiverem seus nomes execrados publicamente, por não estarem vivos, espera-se, pelo menos, que não continuem dando nomes a escolas, pontes e viadutos pelo País afora. Um dos mais sanguinários policiais do País, o delegado Sergio Paranhos Fleury, do antigo Dops (Departamento de Ordem Política e Social), por exemplo, é nome de rua hoje na cidade de São Carlos (SP). O general Milton Tavares também foi agraciado com um viaduto acima do rio Tietê, em São Paulo. Seu nome está lá estampado. A ação de Weichert e Eugênia tem o objetivo de impedir que os abusos praticados no passado voltem a se repetir. Subscrita por outros quatro procuradores, ela foi encaminhada e aceita pela Justiça Federal no fim de maio. A Procuradoria pede a devolução para a União de todos os valores pagos em indenizações a 64 familiares de mortos e desaparecidos políticos. São presos mortos no DOI-Codi, reconhecidos oficialmente pelo governo brasileiro no documento Direito à Memória e à Verdade, produzido pela Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República. O total a ser devolvido aos cofres do governo, conforme a ação, ultrapassa 9 milhões de reais. Seis mil presos políticos passaram pelo DOI-Codi de São Paulo, subordinado ao II Exército, então o maior e mais temido centro de tortura do País durante a ditadura. Esse cálculo não é de familiares de presos nem de revolucionários esquerdistas, mas de um militar da repressão, Freddie Perdigão Pereira (morto em 1997), um dos envolvidos no atentado do Riocentro, em 1981 no Rio de Janeiro. O número oficial de mortos e desaparecidos políticos no Brasil é 376. Mas a Procuradoria da República estima que, em todo o País, mais de 30 mil pessoas tenham sido vítimas da repressão política, incluindo torturas, prisões e diversos tipos de perseguição. A ditadura argentina somou mais de 30 mil mortes. E puniu seus repressores. “O Brasil não teve uma comissão de verdade para identificar os torturadores e afastá-los do exercício de funções públicas. O Exército sonega informações à sociedade brasileira”, observa Weichert. A corajosa decisão de Weichert e Eugênia deve motivar iniciativas semelhantes pelo País. Outros agentes da repressão devem ser citados em ações autônomas. Novos processos são analisados pelo Ministério Público Federal. O caso do delegado Gravina, por exemplo, pode gerar uma nova ação, se depender da ex-presa política Lenira Machado, de 67 anos, que o denunciou à CartaCapital. Hoje aposentada, Lenira estudava Sociologia na USP em maio de 1971 e militava no clandestino Partido Revolucionário dos Trabalhadores (cisão da Ação Popular), quando foi presa pela equipe do delegado Fleury. Ela passou dois dias no Dops, no bairro da Luz, em São Paulo, e de lá foi levada para o prédio do DOI-Codi, na rua Tutóia. Ali, foi barbaramente torturada três vezes ao dia, durante um mês e meio. Entre outros, pelo então investigador Gravina, o JC. Pela primeira vez, Lenira fala publicamente sobre as torturas praticadas por Gravina. “Ele, o JC, era o braço executivo do Ustra”, testemunha. “Quando interrogava, gostava dos afogamentos e do fura-poço, um tipo de tortura em que a pessoa fica abaixada com o dedo no chão e andando em círculos. Ao ficar tonta, apanha. Ele perguntava e torturava diretamente.” Depois de intermináveis sessões de pau-de-arara, espancamentos e cadeira do dragão (espécie de cadeira elétrica, na qual a vítima, durante o espasmo do choque, estica as pernas e bate numa barra de ferro), Lenira teve um deslocamento na coluna e ficou paralítica. Fez um longo tratamento de fisioterapia para voltar a andar. Condenada a cinco anos de prisão, mesmo doente, cumpriu um ano e oito meses, no Presídio Tiradentes, em São Paulo. No DOI-Codi, as equipes de tortura se alternavam pela manhã, tarde e noite, relata a ex-presa política. “Todos recebiam orientações do Ustra e tinham reuniões diárias com ele para relatar o que extraíam da tortura”, atesta. “Eles usavam codinomes e morriam de medo que a gente soubesse quem eles eram.” Mas JC era uma figura marcante. Muito jovem (tinha 21 anos naquela época), era bem diferente dos militares e demais policiais civis, diz Lenira. “Ele usava cavanhaque, cabelos compridos e lisos. Era meio hippie”, lembra. Por causa da cabeleira, surgiu o codinome JC, em alusão a Jesus Cristo. Até hoje, o delegado usa um rabo-de-cavalo. Gravina foi identificado por Lenira quase por acaso. Um parente dela o viu numa reportagem de jornal sobre um suposto vampiro que agia na cidade de Presidente Prudente e mordia o pescoço de adolescentes. O diligente delegado, que odeia ser fotografado e briga com repórteres por esse motivo, apareceu mais do que devia e, assim, ela o localizou. As sessões de tortura comandadas por Ustra e JC eram sempre embaladas por música clássica. Quando era tocada num volume alto, alguém ali era torturado com requintes de crueldade. Era uma maneira também de evitar que os vizinhos ouvissem gritos. “Como gosto muito de música, consegui desvinculá-las da tortura e não consigo lembrar de nenhuma delas”, afirma a ex-estudante de Sociologia. Em breve, Lenira deve repetir esses relatos aos procuradores Weichert e Eugênia. “Quem torturou da forma como ele torturou, não é uma pessoa normal. E eu não posso acreditar que ele não continue torturando presos comuns. Faz parte da personalidade sádica dele. Só um sádico sente prazer nisso”, desabafa. “Não posso permitir que isso aconteça novamente.” O Ministério Público Federal tem a mesma preocupação. “É notório que o uso da tortura e da violência como meio de investigação policial ainda hoje pelos aparatos policiais brasileiros decorre em grande medida dessa cultura da impunidade. A falta de responsabilização dos agentes públicos que realizaram esses atos no passado inspira e dá confiança aos atuais perpetradores”, afirma a ação dos procuradores. Manter hoje acusados de tortura em cargos públicos é um risco para a sociedade, assegura Weichert. “É preciso reconhecer que a tortura funciona. Uma pessoa que pratica tortura, que se acostumou com isso e exerce a função de delegado, traz um risco para a sociedade”, analisa. “Vamos analisar esse caso, mas ele precisa chegar a nós oficialmente.” A Ouvidoria da Polícia de São Paulo informou não haver denúncias de tortura contra presos comuns envolvendo o delegado. Mas, na repressão política, a ficha corrida de Gravina é extensa. Altino Dantas Junior, ex-vereador do PT de Santos, acusa-o de ser responsável pela morte no DOI-Codi do preso político Aluízio Palhano Pedreira Ferreira, em 21 de maio de 1971. Dantas enviou uma carta com a denúncia, em agosto de 1978, ao general Rodrigo Jordão Ramos, então ministro do Superior Tribunal Militar (STM), que adotava um corajoso posicionamento contrário às violações aos direitos humanos. “Por volta das 23 horas, ouvi quando o retiraram da cela contígua à minha e o conduziram para a sala de torturas, que era separada da cela forte, onde me encontrava, por um pequeno corredor. Podia, assim, ouvir os gritos do torturado. A sessão de torturas se prolongou até a alta madrugada do dia 21, provavelmente até 2 ou 4 horas da manhã, momento em que se fez o silêncio”, relatou o ex-preso político. “Alguns minutos depois fui conduzido a essa mesma sala de torturas, que estava suja de sangue mais do que de costume. Perante vários torturadores, excitados naquele dia, ouvi de um deles, conhecido pelo codinome JC (cujo verdadeiro nome é Dirceu Gravina), a seguinte afirmação: ‘Acabamos de matar o seu amigo e agora é a sua vez.’” A violência não parou por aí. O Grupo Tortura Nunca Mais aponta JC como o policial que metralhou os estudantes Alexander José Ibsen Voerões e Lauriberto José Reyes, ambos militantes do Movimento de Libertação Popular (Molipo), em 27 de fevereiro de 1972, numa rua do Tatuapé, na zona leste de São Paulo. A morte de Yoshitane Fujimori, integrante da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), também envolve uma polêmica. Ele teria chegado vivo ao DOI-Codi, em 5 de maio de 1970, conforme JC declarou a outros presos. Depois, apareceu morto. Casos como esses nunca foram apurados. Para Weichert, incutiu-se no imaginário nacional a idéia de que a Lei de Anistia implica o esquecimento integral de toda a violência ocorrida no País. “Isso não se sustenta nem judicialmente nem sociologicamente. A Corte Interamericana de Direitos Humanos diz que não se faz reconciliação com esquecimento. Isso pressupõe verdade, transparência e justiça”, acredita o procurador. O jurista Dalmo Dallari, professor aposentado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), aponta como uma “contradição gritante” da Lei de Anistia a ampliação do indulto a todos aqueles que estavam a serviço do Estado. “Esses acusados não eram políticos, eram agentes públicos envolvidos em torturas. É uma legislação feita em causa própria, durante um governo ditatorial”, pontua. “É verdade que outros países seguiram pelo mesmo caminho durante um tempo. Era necessário evitar o conflito. Mas a Argentina e o Chile estão punindo seus repressores. Nós, 20 anos após a redemocratização, nem sequer abrimos os arquivos da ditadura. O brasileiro tem uma tradição de conciliação absolutamente exagerada.” Se mirarmos no exemplo da Argentina, a história do acerto de contas com os repressores por lá é repleta de avanços e recuos na Justiça. Ainda assim, a impunidade não prevaleceu. Até o fim do ano passado, 263 militares e policiais foram presos ou processados pelos crimes cometidos realizados durante a ditadura. Entre eles, estão incluídos os ex-ditadores Jorge Rafael Videla e Reynaldo Bignone, ambos em prisão domiciliar. A Argentina passou por uma primeira ditadura de 1966 a 1973. Mas foi no segundo período ditatorial, entre 1976 e 1983, que a repressão aos opositores políticos foi marcada por uma violência sem precedentes. Três anos após a redemocratização, os comandantes das quatro juntas militares que governaram o país foram julgados e condenados à prisão perpétua. As punições motivaram uma série de levantes militares. Para acalmar os quartéis, o então presidente Raúl Alfonsín decretou as chamadas “leis de perdão”, que impediram novos julgamentos contra repressores por 20 anos. Diversos generais, a exemplo de Videla, obtiveram indultos e conseguiram manter-se afastados da cadeia por algum tempo. Em 2005, no entanto, a Suprema Corte argentina, já com vários juízes indicados pelo presidente Néstor Kirchner, derrubou as leis que protegiam os repressores. Centenas de processos contra militares e policiais reapareceram nos tribunais. No Chile, há divergências sobre o número de vítimas da ditadura comandada pelo general Augusto Pinochet, entre 1973 e 1990. As estimativas variam de 3 mil a 10 mil opositores assassinados. Apesar da elevada cifra, o governo democrático que sucedeu Pinochet não questionou a Lei de Anistia, que perdoava crimes anteriores a 1978. Nem tentou rever as regalias ao ex-ditador previstas na Constituição de 1980. Tanto que, após deixar a Presidência, Pinochet chefiou o Exército por oito anos. Alvo de mais de uma dezena de processos que não vingaram, por conta dos benefícios de ex-chefe de Estado, Pinochet só foi preso graças ao empenho do juiz espanhol Baltasar Garzón, que acolheu as denúncias de familiares de espanhóis desaparecidos no Chile e abriu um processo contra ele pelos crimes de genocídio, terrorismo e tortura. Em obediência a um mandado internacional de busca e apreensão expedido pela Justiça espanhola, a Scotland Yard deteve Pinochet em Londres, onde ele permaneceu em prisão domiciliar por 503 dias. De volta ao Chile, o ex-ditador perdeu a imunidade e continuou sob investigação, mas conseguiu se manter afastado dos tribunais por razões médicas. Morreu em 2006 e foi sepultado sem honras de Estado nem declaração de luto oficial. A presidente chilena Michelle Bachelet, presa, torturada e exilada durante a ditadura, recusou-se a comparecer ao enterro. Apesar da condescendência com Pinochet, nos últimos anos a Justiça chilena iniciou uma série de julgamentos contra militares e policiais que atuaram na repressão. Pouco mais de 20 agentes foram condenados até agora, alguns à prisão perpétua. Mas, em maio, quase uma centena de militares chilenos e antigos oficiais da Dina, o serviço secreto da ditadura, foram presos pelos crimes cometidos sob as ordens de Pinochet. No Brasil, a situação está muito aquém dos exemplos dos vizinhos do Cone Sul. Até agora nem sequer conseguimos responsabilizar na área cível um único agente de repressão. Que dirá colocá-los na cadeia. A Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos, por exemplo, insiste há anos na abertura dos arquivos da ditadura. “Não precisa abrir tudo. Há documentos que podem comprometer a soberania nacional ou provocar incidentes diplomáticos. Como também existem pessoas que não estão dispostas a ver a vida de familiares devassada”, pondera o advogado Marco Antônio Barbosa, presidente da comissão. “Mas é necessário criar um critério justo e claro para revelar alguns documentos e avançar nesse trabalho de resgate da memória”, completa. Para Barbosa, a punição criminal dos torturadores e assassinos a mando da ditadura ainda é algo muito distante da realidade brasileira. Ainda assim, ele acredita que o processo de responsabilização civil movido pelo MPF pode trazer avanços. “Os comandantes do DOI-Codi não serão presos, mas eles devem ser obrigados a ressarcir o Erário pelas indenizações que foram pagas por conta dos crimes. E o depoimento deles pode ajudar a esclarecer fatos ainda obscuros.” Fábio Konder Comparato, professor emérito da Faculdade de Direito da USP, não poupa argumentos para defender a punição exemplar a todos os que atuaram na repressão política. Autor da representação que levou o MPF a ajuizar a ação civil pública contra os antigos comandantes do DOI-Codi, ele atuou em outros três casos contra a União movidos por familiares de vítimas. Para Comparato, o recente processo “pode abrir caminho para punir tanto os executores como os mandantes dos crimes”. Embora considere difícil identificar todos os que ajudaram no aparato da repressão, até porque muitos documentos da época continuam sob sigilo de Estado, o advogado acredita ser possível, inclusive, estender esses processos aos colaboradores civis da ditadura. “Os empresários que ajudaram a financiar a repressão também devem ser punidos. É o princípio da co-autoria. E tem muita gente viva gozando dessa impunidade. Os filhos e netos deles têm o direito de olhar nos olhos dos pais e avós e perguntar: vocês foram responsáveis por mortes e torturas?” A argumentação de Comparato tem relação com uma realidade ignorada por boa parte dos brasileiros. Os militares contaram com o apoio inestimável de setores da classe média e da elite, inclusive no financiamento dos órgãos de repressão. De acordo com um levantamento realizado pelo Projeto Brasil: Nunca Mais, diversas multinacionais, como o Grupo Ultra, a Ford e a General Motors, entre outras, financiaram a Operação Bandeirante (Oban), projeto piloto de repressão que resultou na criação do DOI-Codi (quadro à pág. 29). Entre os doadores, destaca-se a figura do industrial dinamarquês naturalizado brasileiro Henning Boilesen, diretor do Grupo Ultra. Segundo relatos de vítimas, contestados pela família do empresário, ele participava pessoalmente de sessões de tortura e teria, inclusive, emprestado o nome a um instrumento de suplício: a “pianola de Boilesen”, uma espécie de teclado com eletrochoque. Boilesen tinha trânsito livre na Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp). Quem lhe abria as portas era Theobaldo De Nigris, que presidiu a entidade de 1966 a 1980. Diversos oficiais do Exército admitem que empresários davam contribuições financeiras à ditadura. Mas falam de forma genérica, sem citar nomes. É o caso do general-de-brigada Adyr Fiúza de Castro, que chegou a chefiar o Centro de Operações de Defesa Interna (Codi) do I Exército, no Rio de Janeiro. Em depoimento para o Centro de Pesquisa e Documentação da Fundação Getulio Vargas (FGV), depois publicado no livro Visões do Golpe, Castro conta que, em 1964, ficou surpreso ao marchar com uma brigada do interior de São Paulo para uma unidade do Exército no Paraná: “Lá encontrei nada menos que 18 jipes novos em folha, doados pelos industriais de São Paulo”. Mas também há documentos militares, recentemente divulgados, que comprovam que alguns empresários se recusaram a dar dinheiro, a exemplo do industrial José Mindlin, do Grupo Metal Leve. A honrosa exceção de Mindlin é sempre lembrada pelo jornalista Ivan Seixas, que passou pelas dependências do DOI-Codi paulista em abril de 1971, quando tinha apenas 16 anos. Filho do metalúrgico Joaquim Seixas, militante do Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT), ele foi levado ao cárcere juntamente com o pai, sob a acusação de terem executado Boilesen, o industrial acusado de contribuir e arrecadar dinheiro para a Oban. Enquanto eram barbaramente torturados, a casa da família foi saqueada. A mãe e os outros irmãos dele também foram presos. Logo no segundo dia de cadeia, Ivan foi convidado a dar um “passeio” pela rua Tutóia, onde ficava a sede do sombrio DOI-Codi paulista. Surpreendeu-se, diante da banca de jornais, ao ler a notícia de que o pai havia sido morto num confronto com a polícia. “Eles mostraram a reportagem, mas meu pai estava vivo”, conta. Horas depois, a família ainda escutava a voz de Joaquim nos interrogatórios. Somente mais tarde, conseguiram ouvir um diálogo entre dois agentes que confirmou a morte. No processo contra a organização de esquerda MRT na Justiça Militar, há uma foto do cadáver de Joaquim. Para a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos, que investigou o caso, há “inequívocos sinais de espancamento e de um tiro na altura do coração”. Ivan permaneceu por um mês no DOI-Codi, depois foi transferido para outras delegacias e penitenciárias. Ao todo, ficou seis anos preso. “Nesse primeiro mês em que estive lá, não fui torturado pelo Gravina. Ele bem que queria. Veio pessoalmente na cela fazer ameaças, dizer que eu não sairia vivo. Mas ele não podia mexer comigo. Fui capturado por outra equipe. Já o Ustra, conhecido como Tibiriçá, esteve presente na sala. Não batia, mas dava ordens: ‘Põe ele no pau-de-arara, faz isso, faz aquilo’.” Pelo que passou sua família nos porões da ditadura, Ivan gostaria que o governo e a Justiça brasileira tivessem a mesma postura dos vizinhos argentinos.

HAVIA LEI DETERMINANDO A TORTURA E EXECUÇÃO SUMÁRIA?





Da esquerda para a direita – na foto – Chanceler Comendador Prof. Dr. Dom David dos Santos Araújo( delegado , ex-integrante da OBAN e do DOI-CODI – onde era conhecido pelo codinome de “CAPITÃO LISBOA”) – Comendador Grã-Cruz, Prof. Dr. Alberto Angerami, Dr. Aparecido Laerte Calandra(delegado , ex-integrante da OBAN e do DOI-CODI – onde era conhecido pelo codinome de “CAPITÃO UBIRAJARA”) – Delegado de Polícia Classe Especial(1ª classe), Assistente direto do Dr. Angerami – e Dr. Antonio do Carmo Freire de Souza, Delegado de Polícia Classe Especial, Diretor da Divisão Assistencial do DAP.


‘Isto é que é tortura’


20/06/2008 14:54:45


Gilberto Nascimento


Um misto de incômodo, medo e raiva parece dominar o delegado Dirceu Gravina, 56 anos, ao ser interpelado pelo repórter. Surpreso, ele diz ter problemas cardíacos e leva alguns minutos para se recompor e responder. O delegado e professor da Universidade Unioeste, em Presidente Prudente (SP), permanece o tempo inteiro com os olhos fixados no rosto do repórter, como se aguardasse um possível ataque para reagir imediatamente. “Não vou falar sobre isso, não vou falar. Já acabaram comigo, com a minha família, com a minha vida. Me estigmatizaram”, reagiu, num primeiro momento, deixando a porta de entrada da delegacia onde trabalha em direção ao seu carro estacionado em frente. Gravina acabou falando na frente do prédio, em pé, por cerca de 50 minutos. Admitiu ter trabalhado no Dops e no DOI-Codi, mas negou ter matado Aluízio Palhano Ferreira, Lauriberto Reyes e Alexander Ibsen Voerões. “Isso eu nego veementemente. Não sei quem são essas pessoas. Não conheci nenhum deles.” Perguntado várias vezes se torturou presos políticos e se via tortura no DOI-Codi paulista, o delegado respondeu sempre da mesma maneira. “Depende do que você entende por tortura. O que é tortura?”, devolveu. Lembrado de que existem várias modalidades de tortura, como o pau-de-arara, cadeira do dragão, choques elétricos e afogamentos, gesticulou com os lábios e as mãos espalmadas, sinalizando dúvidas. E repetiu diversas vezes: “Isto, sim, o que você está fazendo comigo, é que é tortura. Você é quem está me torturando. Isto, sim. É um massacre. Um massacre”. Gravina alegou não conhecer os ex-presos políticos Lenira Machado e Ivan Seixas. “Não sou esse JC que falam. Eu trabalhava na área de análise e só eventualmente fazia interrogatórios. Nunca tive autodeterminação para nada. Havia salas em que eu nem entrava. Era tudo delimitado”, afirma. E manteve-se na defensiva. “Se fiz alguma coisa errada no passado, peço desculpas. Se houve uma exacerbação, me desculpem. Falar que eu não errei, é hipócrita. Eu errei e continuo errando. Mas eu também não concordava com aquilo. Não achava certo e não era o lugar em que eu gostava de trabalhar. Eu tinha uma função. Eu apenas cumpria ordens. Fui mandado. Nem sabia o que era polícia, quando entrei lá. Tinha só 19 anos. Depois, vi que não era o que eu imaginava. Agora, é importante dizer: eu ganhei alguma coisa com aquilo? Eu tive alguma benesse?” Ele alegou que também não era bem-visto no DOI-Codi. “Não gostavam de mim lá porque eu acompanhava o movimento social da época. Havia uma revolução cultural, um modo de se trajar e eu não era igual a eles. Achavam que eu era playboy”, garantiu. Professor de Direito Internacional Privado, o delegado não vê qualquer incongruência nessa missão com o seu trabalho no DOI-Codi. Para ele, as leis, naquela época, podiam estar erradas. “Mas tinham de ser cumpridas. Eu não tinha que me preocupar com a questão política. Tinha que cumprir a minha função, mesmo se não concordasse. Esse é o lado ruim da polícia”, afirmou. “Mas nunca fui chamado para comissão nenhuma. Nunca fui questionado em nada. Por que não me chamaram para falar na época da ditadura? Foi só eu virar delegado e aí querem me pegar.” Sobre a possibilidade de vir a ser responsabilizado na Justiça, Gravina protestou. “Querem pegar 30 ou 40 pessoas agora. Mas e os grandes? Os donos da vida, os donos do poder, os que detêm a informação?”, reclamou. E recusou-se a dizer quem seriam essas pessoas. Surpreendentemente, Gravina defendeu a abertura dos arquivos da repressão política. “Por que não abrem tudo? Por que o governo não fala? Assim, pode ser esclarecido tudo. Eu errei, mas não tenho de carregar isso por 40 anos”, reclamou. Sobre suas relações com o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, falou pouco. “Ele era o chefe, o comandante. Eu o conheci, sim. Ele dava as ordens. A gente se postava como militar na frente dele. Lá, tinha o Ustra e mais uns três ou quatro capitães.” Para o delegado, é normal que prisões feitas por ele no passado sejam questionadas. “É como hoje, a mesma coisa. Se eu prender alguém do PCC (a organização criminosa Primeiro Comando da Capital), posso ter problemas daqui a 25 anos.”

MPF MOVE AÇÃO CONTRA POLICIAIS TORTURADORES DE PRESOS POLITICOS

30/08/10 – DITADURA – MPF move ação para que três policiais civis que torturaram e mataram percam cargo e aposentadorias Reconhecidos em imagens de jornais, revistas e Tvs, delegados do Dops Calandra, Gravina e Araújo torturaram e mataram, a serviço do Exército, presos políticos no Doi-Codi



O Ministério Público Federal ingressou hoje com ação civil pública pedindo o afastamento imediato e a perda dos cargos e aposentadorias de três delegados da polícia civil paulista que participaram diretamente de atos de tortura, abuso sexual, desaparecimento forçados e homicídios, em serviço e nas dependências de órgãos da União, durante o regime militar (1964 – 1985).






A ação pede a responsabilização pessoal de Aparecido Laertes Calandra, David dos Santos Araujo e Dirceu Gravina, os dois primeiros aposentados e o terceiro ainda na ativa, além da condenação a reparação por danos morais coletivos e restituição das indenizações pagas pela União. Capitão Ubirajara, capitão Lisboa e JC, codinomes utilizados, respectivamente, pelos três policiais enquanto atuaram no Doi/Codi, foram reconhecidos por várias vítimas ou familiares em imagens de reportagens veiculadas em jornais, revistas e na televisão.






Os procuradores da República que propuseram a ação colheram relatos de ex-presos políticos e de seus familiares vitimados pelos atos dos três policiais, além de reunir depoimentos retirados de documentos como processos de auditorias militares, arquivos do Dops e livros, entre eles “Brasil: Nunca Mais” e “Direito à Memória e à Verdade”. Os relatos são chocantes e podem ser lidos na íntegra na inicial (clique aqui para ler o documento).






UBIRAJARA, LISBOA E JESUS CRISTO - Pela documentação e depoimentos colhidos pelo MPF, os procuradores relatam na ação que, sob a alcunha de capitão Ubirajara, o delegado Aparecido Laertes Calandra participou da tortura e desaparecimento de Hiroaki Torigoe, da tortura, morte e da falsa versão de que Carlos Nicolau Danielli fora morto em um tiroteio, da tortura do casal César e Maria Amélia Telles, além de participar da montagem da versão fantasiosa de que o jornalista Vladimir Herzog teria cometido suicídio na cadeia. Reportagens dão conta de que Calandra teria participado também de torturas contra Paulo Vannuchi e Nilmário Miranda.






O depoimento de Maria Amélia Telles ao MPF mostra métodos de tortura física e psicológica aplicados por Calandra e outros agentes a serviço do Doi-Codi, como o uso de seus filhos visando constranger os depoentes em busca de “confissões”. Maria Amélia relata que, numa oportunidade, após terem sido barbaramente torturados, ela e o marido foram expostos nus, marcados pelas agressões, aos filhos, então com cinco e quatro anos de idade, trazidos especialmente para o local como forma de pressioná-los. Ao ver os pais, a filha perguntou: “mãe por que você está roxa e o pai, verde?”.






O atual presidente do Conselho Estadual de Defesa da Pessoa, Ivan Seixas, preso aos 16 anos, junto com o pai, Joaquim Alencar de Seixas, torturado e morto pela equipe do Doi-Codi da qual participava David dos Santos Araújo, o “capitão Lisboa”, relata que este era o que mais lhe batia. Como forma de pressão sobre ele, os policiais o levaram para uma área próxima ao Parque do Estado, então deserta, e simularam seu fuzilamento. Depois, o colocaram em uma viatura e foi apresentada a ele a edição da Folha da Tarde em que a manchete anunciava que seu pai fora morto pelas forças repressivas. Ao chegar no Doi, seu pai ainda estava vivo.






Depois da prisão de Ivan Seixas e de seu pai, sua casa fora saqueada e sua mãe e irmãs testemunharam, com ele, as torturas a que seu pai foi submetido. Uma de suas irmãs relatou ao MPF ter sido abusada sexualmente por Araújo. O pai acabou morrendo naquele dia nas dependências da prisão.






O mais jovem dos três policiais e até hoje no cargo de delegado da Polícia Civil, em Presidente Prudente, Dirceu Gravina era chamado pelos colegas de JC – uma alusão à Jesus Cristo por, à época, com pouco mais de 20 anos, manter os cabelos compridos e lisos e usar crucifixo – e é lembrado nos relatos por sua violência e sadismo.






Avesso à imprensa, Gravina foi reconhecido em 2008 por Lenira Machado uma de suas vítimas após aparecer em reportagem sobre investigação que o delegado conduzia acerca de “um suposto vampiro que agia na cidade de Presidente Prudente e mordia o pescoço de adolescentes”. Presa por três dias no DOPS, Lenira teve toda a roupa rasgada por Gravina e outros dois policiais quando foi transferida ao Doi/Codi, ficando por 45 dias apenas com um casaco e lenço.






Em seu primeiro interrogatório no Doi/Codi, Lenira foi pendurada no pau de arara e submetida a choques elétricos. Nesta sessão de tortura, conseguiu soltar uma de suas mãos e, combalida, acabou por abraçar Gravina – que estava postado a sua frente, jogando água e sal na boca e nariz da presa. O contato fez com que o delegado sentisse o choque, caindo sobre Lenira e, em seguida, batendo o rosto, na altura do nariz, em um cavalete.






Após algumas horas, Gravina voltou do Hospital Militar, onde levou pontos no rosto, e retomou a tortura, a ponto de provocar uma grave lesão na coluna de Lenira, e, mesmo assim, não suspender a sevícia. A tortura contra ela era tão intensa que, em um determinado dia, teve que ser levada ao hospital, onde lhe foi aplicado morfina para poder voltar às dependências da prisão.






Gravina ainda é apontado como o último a torturar o preso político Aluízio Palhano Pedreira Ferreira, dizendo a outro preso, após Palhano parar de gritar de dor, que sua equipe tinha acabado de matar o colega, ameaçando-o na sequência. “Agora vai ser você!” Desde então, nunca mais se teve notícias de Aluízio, desaparecido até hoje. Também foram vítimas de Gravina os presos políticos Manoel Henrique Ferreira e Artur Scavone.






RECONHECIMENTO - Apesar do uso de apelidos (Calandra, por exemplo, não admite ter sido o capitão Ubirajara), os ex-policiais foram reconhecidos, em diversas oportunidades, em entrevistas à imprensa e em depoimentos ao MPF, pelos presos políticos. Ivan Seixas relata também que, durante as torturas, ao se referirem uns aos outros, os policiais se traiam, chamando os colegas pelo prenome.






Algumas vezes, chegavam a se identificar. Em uma ocasião, ao transportar Seixas numa viatura, Araújo voltou-se para ele, mostrou a carteira funcional e disse: “sou o delegado David dos Santos Araújo e não tenho medo de você”.






MEMÓRIA E VERDADE – Esta nova ação é mais uma das iniciativas do Ministério Público Federal em relação às violações de direitos humanos ocorridas durante a ditadura militar no Brasil. Essa atuação teve início em 1999 por meio da tarefa humanitária de buscar e identificar restos mortais de desaparecidos políticos para entrega às respectivas famílias. Conheça as iniciativas do MPF com relação ao tema aqui.






Com o desenvolvimento das investigações, o MPF identificou que o processo de consolidação da democracia e reafirmação dos direitos e garantias fundamentais suprimidos pela ditadura requer do Estado brasileiro a implantação de medidas de Justiça Transicional: (a) esclarecimento da verdade; (b) realização da justiça, mediante a responsabilização dos violadores de direitos humanos; (c) reparação dos danos às vítimas; (d) reforma institucional dos serviços de segurança, para que respeitem direitos fundamentais; e (e) promoção da memória, para que as gerações futuras possam conhecer e compreender a gravidade dos fatos. O objetivo dessas medidas é evitar que atos tão desumanos se repitam.






Assinam a ação o procurador regional da República Marlon Alberto Weichert, os procuradores da República Eugênia Augusta Gonzaga, Luiz Costa, Sergio Gardenghi Suiama, Adriana da Silva Fernandes, e o Procurador Regional dos Diretos do Cidadão em São Paulo, Jefferson Aparecido Dias.






ACP nº 0018372-59.2010.4.03.6100










Assessoria de Comunicação Social


Procuradoria Regional da República da 3ª Região


ascom@prr3.mpf.gov.br


www.prr3.mpf.gov.br


www.twitter.com/mpf_prr3






Procuradoria da República no Estado de S. Paulo


Assessoria de Comunicação


Mais informações à imprensa: Marcelo Oliveira


11-3269-5068


ascom@prsp.mpf.gov.br


www.twitter.com/mpf_sp



PROJETO DE LEI PERMITE JULGAMENTO DE TORTURADORES DO REGIME MILITAR

A Câmara analisa o Projeto de Lei 7430/10, da deputada Luciana Genro (Psol-RS), que altera a Lei da Anistia (6.683/79) para permitir o julgamento dos crimes cometidos por agentes públicos civis ou militares contra pessoas acusadas de atos contra a segurança nacional e a ordem política e social. Conforme o (...)


http://www2.camara.gov.br/agencia/hometematica/6-DIREITOS-HUMANOS.html




Projeto permite julgamento de torturadores do regime militar   26/08/2010 10h16
A Câmara analisa o Projeto de Lei 7430/10, da deputada Luciana Genro (Psol-RS), que altera a Lei da Anistia (6.683/79) para permitir o julgamento dos crimes cometidos por agentes públicos civis ou militares contra pessoas acusadas de atos contra a segurança nacional e a ordem política e social.
Conforme o projeto, a atuação de agentes públicos contra opositores da ditadura não pode ser considerada crime conexo aos crimes políticos cometidos na época e, portanto, não será objeto de anistia.
A proposta, de acordo com a deputada, busca reverter decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) contrária à revisão da Lei da Anistia. O STF decidiu que os crimes cometidos por agentes públicos à época podem ser considerados crimes conexos às infrações políticas. Dessa forma, o Tribunal julgou ser impossível processar os agentes de Estado nos crimes contra opositores do regime militar.
Luciana Genro informou que a proposta apresentada por ela foi elaborada pelo jurista Fábio Konder Comparato, um dos defensores da ação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) que propôs a revisão da lei. De acordo com o jurista, a interpretação do STF afrontou a Constituição, segundo a qual crimes de tortura não podem ser objeto de graça ou anistia.
"Tenho certeza de que, com a aprovação desta proposta, o Congresso Nacional terá oportunidade de afirmar sua vontade soberana de justiça e paz", opinou Luciana Genro.
A proposta será analisada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania e pelo Plenário.(AC)


Proposição: PL-7430/2010 Avulso
Autor: Luciana Genro - PSOL /RS
Data de Apresentação: 01/06/2010
Apreciação: Proposição Sujeita à Apreciação do Plenário
Regime de tramitação: Ordinária
Situação: CCJC: Aguardando Designação de Relator.
Ementa: Dá interpretação autêntica ao disposto no art. 1º, § 1º da Lei nº 6.683, de 28 de agosto de 1979.
Indexação: Interpretação, Lei da Anistia, exclusão, crime conexo, crime, agente, militar, servidor público civil, vítima, pessoas, atentado, regime político, segurança nacional, ordem política e social atividade,
Despacho: 10/6/2010 - À Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (Mérito e Art. 54, RICD) Proposição Sujeita à Apreciação do Plenário Regime de Tramitação: Ordinária

RUA VIVA - HOMENAGEM A TODOS QUE LUTARAM CONTRA A DITADURA MILITAR





1) Adherbal Teixeira Rocha


2) AdrianoFonseca Filho


3) Afonso Maria da Cruz

4)Agnaldo Galvão Leal - Padre Agnaldo


5) Alcides Salles Filho


6) Aldo de Sá Brito de Souza Neto


7) Amílcar Vianna Martins


8) Anélio Marques Guimarães


9) Ângelo Pezzuti da Silva


10) Anthero de Carvalho Drumond


11) Antônio Carlos Bicalho Lana


12) Antônio Holandino de Araújo


13) Antônio Joaquim de Souza Machado


14) Antônio Luiz Paixão


15) Antônio dos Três Reis Oliveira


16) Arildo Valadão

17)Ariosvaldo Campos Pires


18) Aristides Lisboa


19) Arlindo José Ramos


20) Armando Ziller


21) Arnaldo Cardoso Rocha


22) Áurea Eliza Pereira Valadão


23) Azarias Duarte Soares Souza Lima


24) Benedito Gonçalves


25) Carlos Alberto Soares de Freitas


26) Carlos Schirmer


27) Cecílio Emígdio Saturnino


28) Celso Aquino Ribeiro

29)Celso Furtado


30) Ciro Flávio Salazar e Oliveira


31) Custódio Rezende Evangelista de Paula


32) Daniel José de Carvalho


33) David Rodrigues Diniz


34) Décio Geraldo de Oliveira Sales


35) Devanir José de Carvalho


36) Dimas da Anunciação Perrin


37) Domingos Ribeiro Viotti


38) Edgar de Godói da Mata Machado


39) Edina Maria da Paixão


40) Eduardo Antônio da Fonseca


41) Eduardo Colen Leite - Bacuri


42) Eduardo Demétrio Ferreira


43) Eloy Ferreira da Silva


44) Elson Costa


45) Flávio Sampaio


46) Francisco de Assis Magalhães Gomes


47) Francisco Lage Pessoa - Padre Lage


48) Francisco Mário de Souza - Chico Mário


49) Frederico Ozanam Pereira


50) Geraldino Heleodoro de Carvalho


51) Geraldo Magela de Almeida


52) Geraldo da Rocha Gualberto


53) Gerosina Silva Pereira


54) Getúlio D'Oliveira Cabral


55) Gildo Macedo Lacerda


56) Guido Leão Santos


57) Helber José Gomes Goulart


58) Hélcio Pereira Fortes


59) Hélio Pellegrino


60) Hélio Salvador de Azevedo


61) Henrique Cláudio de Lima Vaz - Padre Vaz


62) Henrique de Souza Filho - Henfil


63) Herbert Eustáquio de Carvalho


64) Herbet José de Souza - Betinho


65) Herculano Mourão Salazar


66) Idalísio Soares Aranha Filho


67) Isis de Araújo D'Ávila Magalhães


68) Itair José Veloso


69) Ivan Mota Dias


70) Izaurino Alves de Souza


71) Jaime Petit da Silva


72) Jair Ferreira de Sá


73) James Alen Luz

74)Jaime Nelson Wright - Reverendo


75) Jayme Goifman


76) Jeová de Assis Gomes


77) João Batista Franco Drummond


78) João Bosco Burnier - Padre Burnier


79) João de Carvalho Barros


80) João Firmino Luzia


81) João Lucas Alves


82) João Pio de Souza


83) Joaquim José de Oliveira


84) Joel José de Carvalho


85) Jorge Batista Filho


86) José de Assis


87) José Bartolomeu Greco


88) José Carlos Novaes da Mata Machado


89) José do Carmo Rocha

90)José Costa - Jornalista


91) José Flávio Rodrigues Pereira


92) José Júlio de Araújo


93) José Matheus Pinto Filho


94) José Pereira Martins Filho - Zequinha


95) José Prímola Ferreira


96) José Renato Campos do Amaral


97) José Roberto Gonçalves Rezende


98) José Rocha Filho - Frei Matheus


99) José Toledo de Oliveira


100) Juarez Guimarães de Brito


101) Judith Vieira Lisboa


102) Lenine Moreira da Silva


103) Lourival Vilela Viana


104) Lucimar Brandão Guimarães


105) Lúcio Petit da Silva


106) Luiz de Carvalho Bicalho


107) Luiz Pompeu de Campos


108) Magda Magalhães Alves


109) Marcelo Righi Marco


110) Márcio José de Araújo


111) Marcos Magalhães Rubinger


112) Maria Auxiliadora Lara Barcellos


113) Maria das Graças Teixeira


114) Maria Floripes Nascimento Alves


115) Maria Lúcia Petit da Silva


116) Mário Alves de Souza Vieira


117) Mário Bento da Silva


118) Maurício de Rezende Pires Alcântara


119) Mílton Freitas de Carvalho


120) Mílton Soares de Castro


121) Murilo Pinto da Silva


122) Nelson José de Almeida


123) Nestor Veras


124) Ney Jansen Ferreira Júnior


125) Ondina Pedrosa Nahas


126) Oracílio Martins Gonçalves


127) Orestes Timbaúva Rodrigues


128) Orlando da Silva Rosa Bomfin Júnior


129) Osório da Rocha Diniz


130) Osvaldo Orlando da Costa


131) Oswaldo França Júnior


132) Otaviano de Carvalho


133) Paschoal Souza Lima


134) Paulo Costa Ribeiro Bastos


135) Paulo Irmensul Rogedo


136) Paulo Regulus Freire - Paulo Freire


137) Paulo Roberto Pereira Marques


138) Pedro Alcântara Moreira


139) Pedro Alexandrino de Oliveira Filho


140) Raimundo Carlos


141) Raimundo Eduardo da Silva


142) Raimundo Gil da Silva


143) Raimundo Gonçalves Figueiredo


144) Raul Amaro Nin Ferreira

145)Raul Décio de Belém Miguel


146) Roberto Décio de Las Casas

147)Roberto Drummond



148) Rodolfo de Carvalho Troiano


149) Rodolpho Fritsch Filho


150) Ronaldo Mouth Queiroz


151) Sami Sirihal


152) Sinval de Oliveira Bambirra

153)Sônia Maria de Moraes Angel Jones

154)Stuart Edgar Angel Jones


155) Sylvio de Vasconcellos

156)Therezinha Viana de Assis

157)Tito de Alencar Lima - Frei Tito


158) Vinícius José Nogueira Caldeira Brant


159) Virgílio Faustino Salomão


160) Waldemar das Dores - Mamário


161) Walkíria Afonso Costa


162) Walter de Souza Ribeiro


163) Zilah Souza Spósito


164) Zuleika Angel Jones - Zuzu Angel

COMEMORAÇÃO DOS 30 ANOS A ANISTIA POLITICA - Rio de Janeiro

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

JOGO SUJO CONTRA OS BLOGS CALUNIADORES

Por Dulce Maia em 17/6/2010

Houve um tempo em que mentira tinha pernas curtas. Agora, a internet faz exercícios diários de alongamento da mendacidade. Nos últimos meses, uma torrencial campanha caluniosa circula pela rede mundial de computadores tomando por base artigo do jornalista Elio Gaspari, publicado originalmente nos jornais Folha de S.Paulo e O Globo em suas edições de 12 de março de 2008 [ver aqui, para assinantes].


Quem tiver curiosidade de buscar na internet o número de vezes em que aparecem variantes da infame sentença "Agora a surpresa: adivinhem quem é Dulce Maia? Sim, ela mesma: Dilminha paz e amor! Esse é só mais um codinome da terrorista Estela/Dilma" – colada ao final do artigo de Gaspari – verá que estão hospedadas em mais de 500 páginas da rede (marca muito próxima à moda nazista de cunhar a verdade repetindo-se mil vezes uma mentira para torná-la veraz).


Ao contrário do que afirmam, Dulce Maia existe e resiste. Quem é Dulce Maia? Sou eu. Antes de mais nada, quero deixar claro que não me arrependo de nenhuma das opções políticas que fiz na vida, inclusive de ter participado da luta armada e da resistência à ditadura militar implantada em 1964. Eu me orgulho de ter sido companheira de luta de brasileiros dignos como Carlos Lamarca, Onofre Pinto, Diógenes de Oliveira e Aloysio Nunes Ferreira.


Sinal de descaso


Não pretendo polemizar com meus detratores, que ousaram decretar minha morte civil. Estes irão responder em juízo por seus atos. Não admito que queiram impor novos sofrimentos a quem já foi presa, torturada e banida do Brasil durante a ditadura. Lutarei com todas as minhas forças para garantir respeito à minha honra e à minha dignidade.


Gostaria apenas de fazer algumas reflexões sobre essa insidiosa campanha, alicerçada nos erros cometidos pelo jornalista Elio Gaspari ao tratar da ação contra o consulado norte-americano de São Paulo, em 1968. O articulista teve quarenta anos para apurar a história. Falsamente me colocou como participante do episódio, sem nunca ter me procurado para checar a veracidade das informações de que dispunha. Tomou pelo valor de face peças do inquérito policial relativo ao atentado, como declaração extraída sob tortura do arquiteto e artista plástico Sérgio Ferro.


Se o articulista tivesse compulsado os arquivos do próprio jornal Folha de S.Paulo, facilmente encontraria entrevista de Sérgio Ferro (de quem também me orgulho de ser amiga há quase meio século). Conforme se lê no texto do repórter Mario Cesar Carvalho, publicado a 18 de maio de 1992, "Ferro assumiu pela primeira vez, em entrevista à Folha que ele, o arquiteto Rodrigo Lefrèvre (1938-1984) e uma terceira pessoa que ele prefere não identificar colocaram a bomba que explodiu à 1h15 do dia 19 de março de 1968 no consulado de São Paulo. Um estudante ficou ferido".


A matéria de 1992 trazia ilustração com um imenso dedo indicador em riste (o famoso "dedo-duro" apontado sobre a cabeça de um homem e acompanhado do texto "terror e cultura").


Gaspari tinha o dever ético de me procurar para verificar se seria eu essa terceira pessoa. Além de não fazê-lo, publicou que o atentado fora cometido por cinco pessoas (entre as quais fui falsamente incluída). O mesmo cuidado deveriam ter tido os responsáveis pela matéria da Folha de S.Paulo de 14 de março de 2008, que repercutiu o artigo de Gaspari reafirmando as falsas acusações [ver aqui, para assinantes].


A esses erros elementares de apuração, deve se somar a relutância da Folha de S.Paulo em restabelecer a verdade. Em nenhum momento, o ombudsman do jornal veio a público para tratar do assunto. O pedido de desculpas de Gaspari foi mera formalidade, sem delicadeza alguma [ver aqui, nota sob o título "Erro", para assinantes]. Sinal mais evidente do descaso do jornal foi a demora na publicação de carta de Sérgio Ferro, onde refutava categoricamente que eu tivesse participado daquela ação armada. A carta só foi publicada dois dias depois de ser divulgada no blog do jornalista Luis Nassif.


Luz do sol


Processado, o jornal foi condenado em primeira instância à reparação por danos morais [ver sentença abaixo]. Imaginava que a ação judicial fosse um freio eficaz às aleivosias, particularmente depois da exemplar observação do juiz de Direito Fausto José Martins Seabra de que o jornal "não só extrapolou o direito de crítica, como olvidou o compromisso legal e ético com a verdade".


No entanto, o artigo de Gaspari voltou a circular com o espantoso adendo de que Dulce Maia não existe e que este seria apenas um codinome de Dilma Rousseff. A utilização do artigo em plena campanha eleitoral mostra que setores da sociedade não têm qualquer apreço pela verdade como arma política. São pessoas que, muito provavelmente, apoiaram o golpe militar de 1964 e não apreciam o debate franco e aberto de ideias. Chama atenção, também, o silêncio de Elio Gaspari sobre o uso indevido de seu texto. Nunca li qualquer manifestação do articulista refutando o uso de seu nome em páginas que emporcalham a internet com mentiras sobre minha pessoa.


O desrespeito é de duplo grau. Primeiro, pela reiterada circulação de informações falsas sobre o atentado ao consulado norte-americano (prática já condenada pela Justiça na sentença de primeira instância do juiz Martins Seabra). Em segundo lugar, e não menos importante, com a tentativa de me despersonalizar, como se Dulce Maia fosse apenas um codinome.


Depois dos desaparecimentos forçados praticados pela ditadura, que impôs a aniquilação física de adversários políticos, sequazes do regime militar querem impor a aniquilação moral em plena democracia. E o fazem da forma mais vil, espalhando mentiras pela internet. Como estratégia política, não é novidade. Documentos do governo norte-americano revelam que a CIA apoiava o uso de boatos para desestabilizar o governo democrático de Salvador Allende. Vivi em Santiago e presenciei a onda de boatos que não atingiu seus objetivos eleitorais (Allende foi deposto pelo sangrento golpe militar de setembro de 1973).


Trazer à luz do sol aqueles que usam a mentira como ferramenta política é uma tarefa urgente. Farei a minha parte, acionando judicialmente todos aqueles que atacam minha honra ao tentar tirar proveito político de grotescas caricaturas para atingir a imagem de seus adversários.


A sentença de primeira instância


583.00.2008.245007-8/000000-000 – nº ordem 146/2009 – Indenização (Ordinária) – DULCE MAIA X EMPRESA FOLHA DA MANHÃ S/A – Autos nº 583.00.2008.245007-8 21ª Vara Cível Central da Capital DULCE MAIA move AÇÃO INDENIZATÓRIA contra EMPRESA FOLHA DA MANHÃ S.A. Em 12 de março de 2008 o jornal Folha de São Paulo, editado pela ré, publicou artigo de Elio Gaspari sobre as indenizações pagas às vítimas do regime instaurado em 31 de março de 1964. No decorrer do texto, mencionou de modo inverídico que a autora participara de atentado a bomba no consulado norte-americano nesta Capital. Dois dias depois, outro artigo foi escrito pelo mesmo jornalista com a mesma notícia falsa, a qual lhe causou danos morais. Entende que a ré abusou de seu direito de informar, atingindo a honra e a imagem da requerente ao lhe atribuir a prática de um crime. Requer, portanto, o ressarcimento dos danos morais sofridos. A ré apresentou contestação a fls. 327/343. Negou ter cometido ato ilícito, pois exercera o direito de informar e criticar, assegurado constitucionalmente. Refutou a ocorrência de danos morais, pois a informação inexata foi corrigida e teceu considerações sobre eventual fixação da indenização. Réplica a fls. 351/359. É o relatório. Fundamento e decido. O feito comporta julgamento no estado (art. 330, I, do Código de Processo Civil), registrando-se que as provas pleiteadas pelos litigantes são absolutamente desnecessárias ao deslinde dos pontos controvertidos. Incontroverso nos autos que a autora pertenceu à Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), grupo que tinha o objetivo de derrubar o regime instaurado em 31 de março de 1964 e implantar no Brasil, por meio da luta armada, uma democracia operária nos moldes marxistas e leninistas. É notório, ainda, que a ele e a outros grupos denominados terroristas foram atribuídas ações violentas consistentes em roubos a bancos, seqüestros de autoridades e explosões em imóveis públicos e privados. A autora negou ter participado do atentado de 19 de março de 1968 ao consulado norte-americano nesta Capital e a ré reconheceu na contestação, em consonância com o pedido de desculpas de seu articulista Elio Gaspari, publicado posteriormente, que de fato essa informação não era verdadeira. O equívoco aconteceu e foi expressamente admitido por quem o cometeu, de modo que inexiste pertinência em apurar neste feito como a informação errada foi obtida. O que importa é saber se a ré apenas exerceu o seu direito de crítica e se a correção do erro tem o condão de elidir a responsabilidade civil pelos danos morais causados à autora, que são evidentes e dispensam prova, pois ocorreram in re ipsa. Ter o nome associado à prática de um crime do qual não participou é suficiente para sofrer sensações negativas de reprovação social, angústia, aflição e tantas outras que consubstanciam danos morais relevantes sob o aspecto jurídico e, portanto, indenizáveis. A ré sustenta que exerceu o direito de crítica assegurado pelo art. 27, VIII, da Lei de Imprensa. De fato, assim agiu ao tecer considerações e até mesmo juízos de valor sobre a discrepância entre as diversas indenizações pagas às vítimas do regime militar. Sucede, contudo, que a partir do momento em que afirmou a participação da autora no episódio relatado nos autos, não só extrapolou o direito de crítica, como olvidou o compromisso legal e ético com a verdade. Pouco importa que a autora tenha de fato pertencido a grupo ao qual foram atribuídas ações violentas nas décadas de 60 e 70. A notícia de que participou do atentado ao consulado norte-americano não era verdadeira e, assim, não pode prevalecer diante do direito à honra. Lembra Antonio Jeová Santos que "existe um consenso de que a imprensa assume o compromisso de informar não só o fato veridicamente, como também de explicá-lo em seu contexto, em sua verdadeira significação – a verdade acerca do fato – como recomendava a Comissão sobre a Liberdade de Imprensa dos EUA" (Dano moral indenizável. 2ª ed. São Paulo: Lejus, 1999, p. 325). A ré ainda argumenta que corrigiu o erro e, assim, não tem o dever de indenizar os danos morais sofridos pela autora. Sem a necessidade de digressões acerca da forma e do lapso temporal consumido até que a retificação da informação inexata fosse veiculada, o fato é que a correção da notícia, ainda que se desse no modo, no tempo e no lugar adequados e com o mesmo destaque da informação falsa, não afastaria o ressarcimento almejado. Impossível supor que todos os leitores da notícia inexata tenham também lido as erratas e os pedidos de desculpas do articulista. Além disso, "a publicação equivocada, por si só, dá margem à indenização. Eventual retificação a posteriori não faz desaparecer o ato ilícito praticado" (Enéas Costa Garcia. Responsabilidade civil dos meios de comunicação. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p. 294). Resta, pois, fixar o valor da indenização. No arbitramento da indenização oriunda dos danos morais leva-se em consideração a natureza, a extensão e a repercussão da lesão, bem como a capacidade econômica dos envolvidos, de modo a compensar os prejuízos experimentados pela vítima sem que haja locupletamento e, de modo concomitante, punir o ofensor de modo adequado a fim de não transgrida novamente. No caso em foco não se pode esquecer que a notícia inexata foi produzida por jornalista bastante respeitado por substancial obra em quatro volumes sobre a história recente do país, o que lhe impunha maior responsabilidade na divulgação de informações sobre aquele período. Por outro lado, a ré não adotou a postura arrogante de ignorar ou de tentar mascarar o seu erro, de modo que o valor indenizatório mínimo proposto com a petição inicial se mostra razoável e compatível com as peculiaridades vistas nestes autos e com os parâmetros acima apontados. Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a demanda para condenar a ré ao pagamento de R$ 18.000,00 à autora, com correção monetária desde esta data e juros de mora de 1% ao mês contados de maio de 2008, bem como a publicar no mesmo jornal em que a notícia inexata foi divulgada, o inteiro teor desta sentença. Pagará ainda a vencida as custas processuais e os honorários advocatícios da parte contrária, fixados em 10% sobre o valor da condenação. P.R.I. São Paulo, 17 de abril de 2009. Fausto José Martins Seabra Juiz de Direito FLS. 370: Custas atualizadas de preparo para eventual recurso no valor de R$ 364,16. ORD – RP – ADV MAURO ROSNER OAB/SP 107633 – ADV LUIS CARLOS MORO OAB/ SP 109315 – ADV TAIS BORJA GASPARIAN OAB/SP 74182 – ADV MONICA FILGUEIRAS DA SILVA GALVAO OAB/SP 165378

O PASSADO DE DILMA na ÉPOCA

Há no Brasil dois jeitos principais para o jornalismo mau-caráter: o Veja e o Folha (de São Paulo). Vamos demonstrar empiricamente os dois estilos, primeiro o Veja.


Suponhamos que José é petista, logo, desafeto da Veja. A revista é curta e grossa e coloca logo em sua capa: José é ladrão. Toda estrutura de texto é de alguém “superior” que dita a verdade aos simples mortais. Portanto, basta a versão da Veja sobre o fato, provas são desnecessárias.


O grande problema do estilo direto da Veja são os processos. Diogo Mainardi, a caneta pitbull da editora Abril contra a esquerda, já fugiu do país com medo de ser preso. O recente episódio do direito de resposta do PT na revista é histórico (leia o direito de resposta na íntegra).


Vamos para o segundo estilo, o Folha. Trata-se de algo mais sutil e nefasto. Explico com o mesmo exemplo do nosso companheiro José. A Folha jamais seria direta, ao contrário, construiria o texto de outra forma: José é amigo de Carlos. Carlos é um conhecido criminoso e foi condenado pela justiça. Carlos escondia o fruto de seu roubo no próprio apartamento. José é amigo íntimo de Carlos. José costumava visitar Carlos. O estilo Folha de mau jornalismo é muito pior e nefasto, pois não argumenta claramente como a Veja, apenas “lança no ar certas dúvidas”. Ao ler sobre o ladrão Carlos e a relação com José, o leitor da Folha rapidamente deduz: então José também é ladrão. Nenhuma prova foi apresentada contra José.Trata-se de um processo hipócrita, porque o leitor acredita que chegou a esta dedução (que José é ladrão) por si mesmo, mas foi induzido o tempo todo pelo jornal.


A revista Época desta semana tentou usar o melhor das duas fórmulas. Na capa, algo que soa como a revelação de um segredo monstruoso: O Passado de Dilma. O sub-texto: Documentos inéditos revelam uma história que ela não gosta de lembrar: seu papel na luta armada contra o regime militar.


Vamos passo-a-passo:

A revista inteira


Não dá para analisar as induções de Época ao leitor sem levarmos em conta toda a revista. Logo na carta do editor (pg. 8), Helio Gurovitz (Diretor de redação) começa o texto citando Tony Judt: “estudar a história evita a cometer os mesmos erros”. O editor diz que nesta edição serão apresentados “dados cruciais para o brasileiro que começa, nesta semana, a ser apresentado aos candidatos no horário eleitoral gratuito…”. Gurovitz garante que, por aquelas páginas, o leitor saberá tudo sobre o modo de pensar, agir e sentir da candidata do PT. Sobre Serra, a revista limita-se a dizer que ele se exilou, como se, sobre o tucano, não houvesse história alguma a ser contada. Mas sobre Dilma, há um passado inteiro de segredos a ser revelado.


Logo na página 13 há uma matéria sobre Leandro de Paula, o menino carioca que virou celebridade instantânea na internet ao fazer cobranças (e gravá-las) ao Presidente Lula e ao Governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral. A revista fala que o garoto colocou Lula, Cabral e Benedita da Silva em maus lençóis, mas não explica como o vídeo do garoto foi parar no blog de Ricardo Gama, amigo da família Bolsonaro, arqui-rival do PT e da esquerda. A Época avisa que em breve haverá um vídeo do garoto com Dilma. Se Leandro de Paula vendeu o vídeo para Gama, os jornalistas não apuraram.


Há uma menção a Serra, é na página 28. Nada de críticas ou revelações bombásticas, o pequeno texto fala apenas que o tucano não vai realizar mudanças bruscas na economia e tenta explicar isso ao empresariado.


Os principais marqueteiros de Dilma, Serra e Marina são apresentados na página 30.


As revelações sobre o passado de Dilma foram divididas em duas matérias. A primeira (pg. 34) tem o título DILMA NA LUTA ARMADA.


A análise de DILMA NA LUTA ARMADA, matéria da Época


A revista das organizações Globo reconstrói a trajetória de Dilma durante a ditadura:


- fala da família de origem búlgara da candidata;


- comenta que Dilma começou a se engajar na militância quando era estudante de Economia em Minas;


- cita as organizações clandestinas da qual Dilma fez parte: a Polop, a Organização, a Colina e a VAR- Palmares;


- a revista fala do Congresso das organizações clandestinas em Mongaguá, litoral de São Paulo;


Até aí não há nada de novo e bombástico. O que a revista prometeu na capa não foi entregue ao leitor, pois esta parte do passado de Dilma todos conhecemos, revelado em diversas oportunidades pela própria candidata.


Como eu disse no começo, a Época usou o melhor dos estilos Veja e Folha. O estilo Veja de ditar a verdade de um pedestal foi aplicado todo na capa da revista. O estilo Folha começa no exato momento que a Época vai explicar ao leitor a participação real de Dilma contra a Ditadura.


Lembram-se do Carlos é ladrão e amigo íntimo de José, portanto, José também é ladrão? É assim que a Época age. Em nenhum momento desta primeira reportagem Dilma é acusada diretamente de ter pego em armas, atirado em alguém ou ter participado diretamente de assaltos a bancos. Bem ao jeito Folha, a Época narra o seguinte: Dilma foi da Colina. A Colina, segundo o historiador Jacob Gorender, fazia “a pregação explícita ao terrorismo” (sic). Entre as atividades da Colina, estavam a expropriação (assalto), sabotagem e inteligência. A Colina foi responsável pela morte do oficial alemão Maximilian Von Westernhagem. Como o mesmo raciocínio de “José e Carlos”, o leitor da Época é induzido a: A Colina fazia terrorismo, roubava e matava. Dilma fazia parte da Colina, logo ela também matava, roubava e fazia terrorismo. Notem que em nenhum momento da matéria Dilma é acusada diretamente de tais fatos. A Época baliza o texto nos “processos da Justiça Militar contra Dilma”. Ora, se houvesse qualquer acusação direta de roubo, assalto ou terrorismo nos processos, seria obrigação da revista citá-los no ato e na íntegra.


A matéria continua no estilo Folha. A Colina assaltou bancos, roubou carros e matou policiais em Minas e no Rio. Dilma foi presa e entregou, sob tortura, pontos e nomes de colegas para a repressão (além de ladra e assassina, a Época diz ainda que Dilma é dedo-duro).


O roubo ao cofre do Adhemar


Na lista de “atividades” de Dilma, a Época relembra o roubo ao cofre da viúva do Adhemar. Vamos aos fatos:


- Adhemar de Barros foi governador de São Paulo e notoriamente sempre esteve envolvido em corrupção. É para ele que foi cunhada a expressão “rouba, mas faz”, conforme o tema desta Dissertação de Mestrado da USP (aqui);


- Após sua morte, parte do dinheiro, fruto da corrupção de anos, ficou guardado em um cofre na casa da amante no Rio de Janeiro (matéria na íntegra);


- O roubo foi organizado por duas organizações clandestinas: A Colina (de Dilma) e a VPR, do Capitão Carlos Lamarca. Dilma era importante demais para participar diretamente de qualquer operação. Ela sabia demais. A própria matéria da Época menciona o fato várias vezes. Antes disso, bem antes de Dilma pensar em ser candidata, uma matéria de 2003 da revista Veja fala a mesma coisa, que Dilma nunca participou diretamente de qualquer operação (aqui);


- O dinheiro do cofre do Adhemar trouxe uma situação financeira estável para a Colina e a VPR, que puderam financiar suas atividades. Nenhum integrante usou este dinheiro para si próprio ou ficou com parte dele, como fala esta reportagem do O Estado de S. Paulo (aqui).


As dúvidas sobre o passado de Dilma


Questionada pela Época, a assessoria de imprensa de Dilma fez o seu trabalho: informou que a candidata de Lula “nunca participou de qualquer ação armada, não foi interrogada sobre o assunto e sequer denunciada por qualquer ação armada, não sendo julgada nem condenada por isso”.


Se as informações da assessoria de imprensa de Dilma fossem mentirosas, os inquéritos militares nas mãos da Época facilmente provariam o contrário. Não provaram.


Ainda sim, a revista explicitou em um Box uma série de perguntas que acredita ser pertinente de resposta da candidata. Vamos a elas:


1 – Dilma estava armada no momento em que foi presa?


Eu me pergunto, isto é relevante jornalisticamente? Acho que não. Mas vamos supor que seja. A prisão de Dilma foi feita pelo delegado Fábio Lessa de Souza Camargo em 26 de fevereiro de 1970. Não foi registrada nenhuma arma em poder de Dilma. Mais uma vez a Época usa o estilo Folha: “ mas fulano de tal disse em entrevista que ela estava armada no dia”. Certo. Na dúvida, telefonei para um policial amigo meu, que rapidamente esclareceu: “Se Dilma estivesse armada, ela (a arma) seria citada no inquérito e seria usada como prova contra a própria Dilma, uma vez que porte ilegal de arma sempre foi crime no Brasil”. Por que um delegado do Dops iria omitir este fato do inquérito para ajudar uma suposta criminosa?


2 – Que tipo de treinamento com armas ela fez?


Informação completamente irrelevante. Seria irrelevante também perguntar uma coisa dessas para o Serra. Que diferença faz?




3 – Que papel Dilma teve no cofre do Adhemar de Barros?


Um papel de planejamento, jamais participou diretamente da ação, como ficou provado acima. Ela era importante demais para isso. Lembrem-se que aquele dinheiro do cofre era fruto de corrupção.


4 -Qual foi a extensão do papel de Dilma na organização de assaltos a bancos?


Nenhum. Um dos motivos da demora na fusão da Colina com a VPR é que os membros desta última, liderados por Carlos Lamarca, acusavam veladamente Dilma e sua turma de “assembleístas estudantis”, em outras palavras, o que Dilma sempre quis foi mobilizar as massas, está no texto da revista.
5 – Como foi a participação de Dilma nos Congressos da VAR- Palmares?


Informação completamente sem importância, assim como as próximas perguntas da Época: Qual foi o envolvimento de Dilma nas greves operárias de Minas em 1968? e Dilma teve contato com outras organizações armadas de esquerda de outros países da América Latina?


A última pergunta vale a pena ser respondida:


Dilma se arrepende de alguma atitude tomada naquele período?


A candidata do PT já respondeu esta faz tempo. Lembram-se daquele programa de TV em que ela parece ao lado de Lula? Naquela ocasião, Dilma disse: “quando o Brasil mudou, eu mudei também, mas nunca mudei de lado”. Dilma pode falar isso de “boca cheia”, agora Serra, Gabeira e sua turma sentem vergonha de seu passado de esquerda.


Segunda matéria: DILMA NO CÁRCER
Eis um texto verdadeiramente jornalístico que vale a pena ser lido. Com a ajuda de 8 ex-militantes que viveram com Dilma, a Época reconstrói os 28 meses de cárcere da candidata de Lula.


Durante a leitura do texto, são reveladas ao leitor duas informações importantes:


- o horror das prisões irregulares, da ditadura e da tortura;

- o papel digno de líder de Dilma ao ajudar a todos naquela situação tão delicada. Em alguns momentos, ex-companheiras quebram paradigmas e falam de uma Dilma alegre e brincalhona, que adorava colocar apelidos nas colegas. Uma delas ganhou o singelo nome de melé (coringa da carta de baralho) de califon (nome do sutiã no Ceará).


Dilma tinha tudo para cair em depressão e isolar-se de tudo e de todos durante o período de cárcere. Era ditadura, estavam em pleno AI 5 e não havia esperança. Dilma não pensava assim e ela mesma virou A ESPERANÇA para as colegas, hora como a Dilma brincalhona, hora como a reflexiva, que analisava livros e textos como ninguém , e hora ainda como a Dilma mulher e confidente, que falava, em altas horas da madrugada, sobre amor, família e vida dolorosa nos porões da ditadura.