Prisão Clandestina pertencia a Estrangeiro
Após cumprir pena de oito anos, Inês achou e denunciou a existência da casa
RIO — A descoberta da existência da Casa de Petrópolis só foi possível porque durante oito anos Inês Etienne Romeu guardou um número na memória: 4090. Era o telefone da casa. Quando ela saiu da prisão, em agosto de 1979, o número finalmente se transformou em uma localização e um nome: rua Arthur Barbosa, 668, no bairro Caxambu, de propriedade do alemão Mario P. C. R. Lodders, dono do imóvel à época da ditadura.
O encontro entre Inês e Mario Lodders em fevereiro de 1981 foi histórico. A partir dessa data surgiram as revelações que levariam a entender como o Centro de Informações do Exército (CIE) conseguiu ter o aluguel temporário do local. Lodders disse à época que havia emprestado a casa por três anos a um ex-comandante da Panair e ex-interventor de Petrópolis, Fernando Ayres da Motta. Foi Motta que cedeu a casa ao CIE.
— Foi o Ayres que arrumou a casa do alemão, que era tremenda boa gente. Ele não sabia de nada — informou o coronel Paulo Malhães.
Inês, no entanto, disse que Lodders a viu na casa enquanto estava presa. Lodders e Mota já são falecidos. Procurado, o filho de Fernando Ayres da Mota, o advogado Fernando Eduardo Aires da Mota, não retornou os contatos do GLOBO. Atualmente a casa pertence a Renato Firmento de Noronha, que vive lá.
O depoimento de Inês entregue à OAB é um dos elementos para a investigação da Secretaria de Direitos Humanos e do Ministério Público Federal, a cargo da procuradora Vanessa Seguezzi. No documento, Inês listou os nomes de 19 torturadores e do médico Amílcar Lobo, que teve o registro cassado pelo Conselho Regional de Medicina do Rio depois da
denúncia. Além disso, ela deu informações sobre nove presos torturados e mortos na casa. Até hoje, no entanto, não se sabe exatamente quantos presos passaram pela casa enquanto ela funcionou.
Durante o tempo em que esteve na casa, Inês teve contato com o
militante da VAR-Palmares Mariano Joaquim da Silva. Além dele, ouviu as sessões de tortura de Paulo de Tarso Celestino da Silva, militante da Ação Libertadora Nacional (ALN), e de sua namorada, Heleny Guariba, da VPR, no Rio de Janeiro, ambos presos no dia 12 de julho de 1971.
“Colocaram-no no pau de arara, deram-lhe choques elétricos, obrigaram- no a ingerir uma grande quantidade de sal. Durante muitas horas eu o ouvi suplicando por um pouco de água”, contou Inês.
Ela afirma ainda que Mariano Joaquim da Silva contou-lhe que viu a chegada de Aluizio Palhano, militante da VPR, e que escutou sua sessão de tortura. “Ouvi sua voz diversas vezes, quando interrogado”,relatou.
Inês obteve informações de que estiveram na casa os militantes Ivan Mota Dias, Walter Ribeiro Novaes, Carlos Alberto Soares de Freitas, Marilena Villas Boas e o ex-deputado federal Rubens Paiva. A procuradora Vanessa Seguezzi, porém, devido a outras informações, trabalha com uma lista mais ampla, de 22 nomes.
O Globo
Globo Online
23/24 de junho de 2012
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