sexta-feira, 29 de junho de 2012
quarta-feira, 27 de junho de 2012
Justiça para Luiz Eduardo Merlino
30/04/2008 Michael Löwy
Luiz Eduardo Merlino, jovem jornalista brasileiro, militante da Quarta International, morreu sob tortura, com a idade de 23 anos, em julho de 1971. Sua ex-companheira, Angela Mendes de Almeida, e sua irmã, Regina Merlino Dias de Almeida, decidiram, apesar da anistia oficial que os militares se outorgaram há mais de vinte anos, levar à justiça o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, acusado por várias testemunhas de ser o principal responsável por este crime. Felizmente o juiz, Carlos Abrão, acolheu o pedido de abertura da ação: a tortura é, segundo a lei brasileira e os tratados internacionais assinados pelo Brasil, imprescriptivel. O processo deverá começar dentro de algumas semanas. As duas autoras da ação não pedem a condenação penal do oficial, nem indenizações, mais simplesmente a verdade: que a justiça declare o coronel Ustra responsável pela tortura e morte de Merlino.
Este sinistro personagem era o chefe do Departamento de Operações de Informação (DOI-CODI) da ditadura militar em São Paulo. Sob este eufemismo escondia-se uma oficina de torturas, de que foram vítimas de tortura - entre 1970 et 1973, período de comando de Ustra – cerca de quinhentos presos, dentre os quais morreram mais de quarenta, entre eles nosso jovem camarada. Segundo a versão oficial, atestada por dois «médicos legistas» a serviço dos militares, Merlino teria se «suicidado», jogando-se debaixo das rodas de um carro: explicação ridícula, freqüentemente utilizada pela ditadura para cobrir seus crimes. Na realidade vários ex-presos – entre eles o escultor Guido Rocha, que compartilhou a cela com ele – testemunharam ter visto Merlino agonizando depois de ter sido submetido a 24 horas de tortura ininterrupta, sem entregar nenhuma informação a seus algozes. Submetido a eletrochoques e ao suplício do «pau de arara», isto é, pendurado com os pés e as mãos amarradas, ele já estava em um estado grave, semi-paralisado, quando os torturadores o jogaram no cimento do chão da cela. Faleceu dois dias depois.
Como salienta Angela, sua companheira, "o fim da impunidade começa com a memória e o restabelecimento da verdade. A tortura na ditadura era uma política do Estado brasileiro, mas seus executores têm nome. O coronel Ustra, sendo o comandante do DOI-CODI, é responsável por isso. As torturas foram realizadas por ele e os seus subalternos, sob seu comando e com o seu conhecimento".
Este processo é importante. Se o coronel for declarado culpado, será a primeira vez que um responsável do aparelho repressivo da ditadura deverá prestar contas de uma morte sob tortura. Aliás, o mesmo coronel é objeto de outra ação judicial, promovida pela familia Teles - um casal, a irmã da esposa e dois filhos – torturados nos mesmos locais do DOI-CODI em 1972. O processo está em curso. Neste caso, como no de nosso companheiro Merlino, a condenação do coronel será uma vitória, certamente simbólica mas de claro teor politíco, da verdade e da justiça.
Luiz Eduardo Merlino, conhecido também sob o pseudônimo de «Nicolau», era um dos dirigentes do Partido Operário Comunista (POC), uma organização simpatizante da Quarta Internacional no Brasil, que havia decidido, a partir de 1969, participar da resistência armada contra a ditadura militar estabelecida no pais em 1964. Em 1970-71 ele veio a Paris, com sua companheira Angela, para estreitar laços com a Quarta Internacional, estudar a experiência organizacional de Liga Comunista e estabelecer contatos com organizações irmãs na América Latina, em particular na Argentina. Foi nesta época que tive a sorte de conhecê-lo.
Luiz Eduardo era um rapaz magro, de feições delicadas e agradáveis, com óculos e um pequeno bigode. Era generoso, calmo e decidido. Não se resignava a ficar no exílio e havia tomado a decisão de voltar o mais cedo possível para o Brasil, para tentar reorganizar o POC e inseri-lo no processo de resistência armada à ditadura. Tentei dissuadi-lo, mas sem sucesso. Lúcido, ele reconhecia a dificuldade e o risco da empresa. Certa vez perguntei-lhe como avaliava sua chance de "sair-se bem" na volta ao Brasil. Respondeu-me: "cinqüenta por cento" ...
A análise de conjuntura era certa ou não? Será que a tática era a mais apropriada?A estratégia era correta ou equivocada? Trinta e cinco anos depois estas questões perderam muito de seu interesse. O que sobra é a integridade de um indivíduo, sua decisão de arriscar a vida pela causa da liberdade, da democracia, da emancipação dos trabalhadores, do socialismo. Para o Luiz Eduardo Merlino, voltar ao Brasil era uma clara exigência moral e política, uma espécie de "imperativo categórico" que não aceitava recuos ou concessões.
Certas pessoas, que na época partilhavam da luta de "Nicolau", mas hoje se converteram ao social-liberalismo - prefiro não citar nomes - pretendem que o comportamento daqueles que no Brasil e na América Latina arriscaram e perderam sua vida na luta desigual contra as ditaduras do continente, eram movidos por um "espírito suicida". Nada mais absurdo. Luiz Eduardo amava a vida, amava sua companheira e não tinha a mínima vocação para o suicídio. O que o levou a tomar a decisão que tomou e lhe custou a vida, foi simplesmente um sentimento de dever, uma ética, um compromisso com os companheiros de luta.
A historia do futuro não se fará sem a memória de nossos amigos e companheiros martirizados.
Lembranças de Nicolau
Michael Löwy
Luiz Eduardo Merlino é destas pessoas que ficam para sempre gravadas na memória de quem as conheceu, por mais que passem os anos e as modas. Tive a chance de encontrá-lo em Paris, durante os poucos meses em que permaneceu no exílio (1970-71), como militante da nossa corrente (a velha Quarta), mas sobretudo como amigo, como "camarada", no amplo e fraterno sentido desta palavra.
Luiz Eduardo tinha escolhido como codinome "Nicolau". Certa vez me explicou que este era o nome que os primeiros comunistas brasileiros utilizavam para tentar traduzir "Vladimir", o prenome de Lenin, ao português. "Nicolau" era inseparável de sua companheira de amor e de lutas, Angela, codinome "Tais". Os dois haviam formado no POC uma corrente "quartista", a "Tendência Nicolau-Tais", que se designava, com auto-ironia, a "TNT". A escolha do pseudônimo não era casual: "Nicolau" era leninista confesso e convicto. Às vezes brincava, com humor e amizade, com minhas simpatias "luxemburguistas". A verdade é que nos entendíamos muito bem, partilhando aquela mistura de Trotsky com Che Guevara que era tão explosiva como a TNT.
Luiz Eduardo era um rapaz magro, de feições delicadas e agradáveis, sempre de óculos e bigode. Era generoso, calmo e decidido. Não se resignava a ficar no exílio e havia tomado a decisão de voltar o mais cedo possível ao Brasil, tentar reorganizar o POC e inseri-lo no processo de resistência armada à ditadura. Tentei dissuadi-lo, mas sem sucesso. Lúcido, ele reconhecia a dificuldade e o risco da empresa. Certa vez lhe perguntei como avaliava sua chance de "sair-se bem" da volta ao Brasil. "Cinqüenta por cento" me respondeu…
A análise de conjuntura era certa ou não? Será que a tática era a mais apropriada? A estratégia era correta ou equivocada? Trinta e cinco anos depois estas questões perderam muito de seu interesse. O que sobra é a integridade de um indivíduo, sua decisão de arriscar a vida pela causa da liberdade, da democracia, da emancipação dos trabalhadores, do socialismo. Para o Luiz Eduardo, voltar ao Brasil era uma alta exigência moral e política, uma espécie de "imperativo categórico" que não aceitava recuos ou concessões. Certas pessoas, que na época partilhavam da luta do "Nicolau", mas hoje se converteram ao social-liberalismo - prefiro não citar nomes - pretendem que o comportamento daqueles que no Brasil e na América Latina arriscaram e perderam sua vida na luta desigual contra as ditaduras do continente, eram movidos por um "espírito suicidário". Nada mais longe da verdade. Luiz Eduardo amava a vida, amava sua companheira, e não tinha a mínima vocação para o suicídio. O que o levou a tomar a decisão que tomou, e lhe custou a vida, foi simplesmente um sentimento de dever, uma ética, um compromisso com os companheiros de luta. É por isto que a memória dele continua tão viva e presente, não só no Brasil, mas também na França e em outros países em que se conheceu sua história.
Outro dia, mexendo em velhos jornais marxistas, dei com uma fotografia do Luiz Eduardo, com o título "morto em combate". O artigo que acompanhava a foto já envelheceu, não apresenta maior interesse. Mas o olhar do Luiz Eduardo não perdeu nem um pouco de sua força e de sua intensidade e me atingiu em pleno coração: não pude conter as lágrimas, era como se tudo se tivesse passado ontem.
A ditadura não deu uma chance ao Luiz Eduardo: preso logo depois de sua chegada, torturado, morto por não entregar informações. A herança que ele nos deixa é a de seguir lutando, para que nunca mais o Brasil conheça a opressão, a violência policial, a tortura.
Joe Hill, o dirigente sindicalista revolucionário norte-americano, autor de belas canções de luta, deixou esta mensagem a seus companheiros, pouco antes de ser fuzilado pelas autoridades em 1915: "don't mourn, organize" - não fiquem de luto, vão e organizem-se (os explorados e oprimidos). Acho que o "Nicolau" teria gostado desta mensagem…
Maio 2006
30/04/2008 Michael Löwy
Luiz Eduardo Merlino, jovem jornalista brasileiro, militante da Quarta International, morreu sob tortura, com a idade de 23 anos, em julho de 1971. Sua ex-companheira, Angela Mendes de Almeida, e sua irmã, Regina Merlino Dias de Almeida, decidiram, apesar da anistia oficial que os militares se outorgaram há mais de vinte anos, levar à justiça o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, acusado por várias testemunhas de ser o principal responsável por este crime. Felizmente o juiz, Carlos Abrão, acolheu o pedido de abertura da ação: a tortura é, segundo a lei brasileira e os tratados internacionais assinados pelo Brasil, imprescriptivel. O processo deverá começar dentro de algumas semanas. As duas autoras da ação não pedem a condenação penal do oficial, nem indenizações, mais simplesmente a verdade: que a justiça declare o coronel Ustra responsável pela tortura e morte de Merlino.
Este sinistro personagem era o chefe do Departamento de Operações de Informação (DOI-CODI) da ditadura militar em São Paulo. Sob este eufemismo escondia-se uma oficina de torturas, de que foram vítimas de tortura - entre 1970 et 1973, período de comando de Ustra – cerca de quinhentos presos, dentre os quais morreram mais de quarenta, entre eles nosso jovem camarada. Segundo a versão oficial, atestada por dois «médicos legistas» a serviço dos militares, Merlino teria se «suicidado», jogando-se debaixo das rodas de um carro: explicação ridícula, freqüentemente utilizada pela ditadura para cobrir seus crimes. Na realidade vários ex-presos – entre eles o escultor Guido Rocha, que compartilhou a cela com ele – testemunharam ter visto Merlino agonizando depois de ter sido submetido a 24 horas de tortura ininterrupta, sem entregar nenhuma informação a seus algozes. Submetido a eletrochoques e ao suplício do «pau de arara», isto é, pendurado com os pés e as mãos amarradas, ele já estava em um estado grave, semi-paralisado, quando os torturadores o jogaram no cimento do chão da cela. Faleceu dois dias depois.
Como salienta Angela, sua companheira, "o fim da impunidade começa com a memória e o restabelecimento da verdade. A tortura na ditadura era uma política do Estado brasileiro, mas seus executores têm nome. O coronel Ustra, sendo o comandante do DOI-CODI, é responsável por isso. As torturas foram realizadas por ele e os seus subalternos, sob seu comando e com o seu conhecimento".
Este processo é importante. Se o coronel for declarado culpado, será a primeira vez que um responsável do aparelho repressivo da ditadura deverá prestar contas de uma morte sob tortura. Aliás, o mesmo coronel é objeto de outra ação judicial, promovida pela familia Teles - um casal, a irmã da esposa e dois filhos – torturados nos mesmos locais do DOI-CODI em 1972. O processo está em curso. Neste caso, como no de nosso companheiro Merlino, a condenação do coronel será uma vitória, certamente simbólica mas de claro teor politíco, da verdade e da justiça.
Luiz Eduardo Merlino, conhecido também sob o pseudônimo de «Nicolau», era um dos dirigentes do Partido Operário Comunista (POC), uma organização simpatizante da Quarta Internacional no Brasil, que havia decidido, a partir de 1969, participar da resistência armada contra a ditadura militar estabelecida no pais em 1964. Em 1970-71 ele veio a Paris, com sua companheira Angela, para estreitar laços com a Quarta Internacional, estudar a experiência organizacional de Liga Comunista e estabelecer contatos com organizações irmãs na América Latina, em particular na Argentina. Foi nesta época que tive a sorte de conhecê-lo.
Luiz Eduardo era um rapaz magro, de feições delicadas e agradáveis, com óculos e um pequeno bigode. Era generoso, calmo e decidido. Não se resignava a ficar no exílio e havia tomado a decisão de voltar o mais cedo possível para o Brasil, para tentar reorganizar o POC e inseri-lo no processo de resistência armada à ditadura. Tentei dissuadi-lo, mas sem sucesso. Lúcido, ele reconhecia a dificuldade e o risco da empresa. Certa vez perguntei-lhe como avaliava sua chance de "sair-se bem" na volta ao Brasil. Respondeu-me: "cinqüenta por cento" ...
A análise de conjuntura era certa ou não? Será que a tática era a mais apropriada?A estratégia era correta ou equivocada? Trinta e cinco anos depois estas questões perderam muito de seu interesse. O que sobra é a integridade de um indivíduo, sua decisão de arriscar a vida pela causa da liberdade, da democracia, da emancipação dos trabalhadores, do socialismo. Para o Luiz Eduardo Merlino, voltar ao Brasil era uma clara exigência moral e política, uma espécie de "imperativo categórico" que não aceitava recuos ou concessões.
Certas pessoas, que na época partilhavam da luta de "Nicolau", mas hoje se converteram ao social-liberalismo - prefiro não citar nomes - pretendem que o comportamento daqueles que no Brasil e na América Latina arriscaram e perderam sua vida na luta desigual contra as ditaduras do continente, eram movidos por um "espírito suicida". Nada mais absurdo. Luiz Eduardo amava a vida, amava sua companheira e não tinha a mínima vocação para o suicídio. O que o levou a tomar a decisão que tomou e lhe custou a vida, foi simplesmente um sentimento de dever, uma ética, um compromisso com os companheiros de luta.
A historia do futuro não se fará sem a memória de nossos amigos e companheiros martirizados.
Lembranças de Nicolau
Michael Löwy
Luiz Eduardo Merlino é destas pessoas que ficam para sempre gravadas na memória de quem as conheceu, por mais que passem os anos e as modas. Tive a chance de encontrá-lo em Paris, durante os poucos meses em que permaneceu no exílio (1970-71), como militante da nossa corrente (a velha Quarta), mas sobretudo como amigo, como "camarada", no amplo e fraterno sentido desta palavra.
Luiz Eduardo tinha escolhido como codinome "Nicolau". Certa vez me explicou que este era o nome que os primeiros comunistas brasileiros utilizavam para tentar traduzir "Vladimir", o prenome de Lenin, ao português. "Nicolau" era inseparável de sua companheira de amor e de lutas, Angela, codinome "Tais". Os dois haviam formado no POC uma corrente "quartista", a "Tendência Nicolau-Tais", que se designava, com auto-ironia, a "TNT". A escolha do pseudônimo não era casual: "Nicolau" era leninista confesso e convicto. Às vezes brincava, com humor e amizade, com minhas simpatias "luxemburguistas". A verdade é que nos entendíamos muito bem, partilhando aquela mistura de Trotsky com Che Guevara que era tão explosiva como a TNT.
Luiz Eduardo era um rapaz magro, de feições delicadas e agradáveis, sempre de óculos e bigode. Era generoso, calmo e decidido. Não se resignava a ficar no exílio e havia tomado a decisão de voltar o mais cedo possível ao Brasil, tentar reorganizar o POC e inseri-lo no processo de resistência armada à ditadura. Tentei dissuadi-lo, mas sem sucesso. Lúcido, ele reconhecia a dificuldade e o risco da empresa. Certa vez lhe perguntei como avaliava sua chance de "sair-se bem" da volta ao Brasil. "Cinqüenta por cento" me respondeu…
A análise de conjuntura era certa ou não? Será que a tática era a mais apropriada? A estratégia era correta ou equivocada? Trinta e cinco anos depois estas questões perderam muito de seu interesse. O que sobra é a integridade de um indivíduo, sua decisão de arriscar a vida pela causa da liberdade, da democracia, da emancipação dos trabalhadores, do socialismo. Para o Luiz Eduardo, voltar ao Brasil era uma alta exigência moral e política, uma espécie de "imperativo categórico" que não aceitava recuos ou concessões. Certas pessoas, que na época partilhavam da luta do "Nicolau", mas hoje se converteram ao social-liberalismo - prefiro não citar nomes - pretendem que o comportamento daqueles que no Brasil e na América Latina arriscaram e perderam sua vida na luta desigual contra as ditaduras do continente, eram movidos por um "espírito suicidário". Nada mais longe da verdade. Luiz Eduardo amava a vida, amava sua companheira, e não tinha a mínima vocação para o suicídio. O que o levou a tomar a decisão que tomou, e lhe custou a vida, foi simplesmente um sentimento de dever, uma ética, um compromisso com os companheiros de luta. É por isto que a memória dele continua tão viva e presente, não só no Brasil, mas também na França e em outros países em que se conheceu sua história.
Outro dia, mexendo em velhos jornais marxistas, dei com uma fotografia do Luiz Eduardo, com o título "morto em combate". O artigo que acompanhava a foto já envelheceu, não apresenta maior interesse. Mas o olhar do Luiz Eduardo não perdeu nem um pouco de sua força e de sua intensidade e me atingiu em pleno coração: não pude conter as lágrimas, era como se tudo se tivesse passado ontem.
A ditadura não deu uma chance ao Luiz Eduardo: preso logo depois de sua chegada, torturado, morto por não entregar informações. A herança que ele nos deixa é a de seguir lutando, para que nunca mais o Brasil conheça a opressão, a violência policial, a tortura.
Joe Hill, o dirigente sindicalista revolucionário norte-americano, autor de belas canções de luta, deixou esta mensagem a seus companheiros, pouco antes de ser fuzilado pelas autoridades em 1915: "don't mourn, organize" - não fiquem de luto, vão e organizem-se (os explorados e oprimidos). Acho que o "Nicolau" teria gostado desta mensagem…
Maio 2006
Luiz Eduardo da Rocha Merlino (18/10/1948 - 19/07/1971)
"Artéria rompida"
Às 20hs de 20 de julho de 1971, Iracema Merlino recebeu um telefonema de um delegado do DEOPS de Santos comunicando a morte de seu filho Luiz Eduardo. O informante disse que ele teria se jogado embaixo de um carro na BR-116, em Jacupiranga, após escapar da escolta que o estaria conduzindo a Porto Alegre, “para entregar companheiros”. Ela tinha sido tomada de imensa angústia desde o dia 15 de julho, quando vieram buscá-lo em sua casa, à Rua Itapura Miranda, 13, em Santos.
Naquele dia, um homem, em trajes civis, dizendo-se amigo, pediu para chamar seu filho. Já passavam das 21hs. Luiz Eduardo estava com uma gripe forte e fora deitar mais cedo. Ela o despertou e ele lhe disse que não conhecia ninguém com o nome dado, mas, mesmo assim, iria atendê-lo. Estava calmo. Em seguida, o visitante entrou na casa, acompanhado de dois outros agentes, considerando certa a presença de quem procuravam. A cordialidade anterior dos invasores cedeu lugar à brutalidade. Os militares ameaçaram a irmã de Luiz Eduardo, Regina, com metralhadoras em punho, porque ela protestara contra a invasão de sua casa e a iminente prisão do irmão. Perguntaram também por Ângela Maria Mendes de Almeida, companheira de Luiz Eduardo, e entraram no quarto dele para revistar e revirar tudo. Dona Iracema ficou nervosa. Luiz Eduardo, calmamente, tranquilizou sua mãe e a irmã, e os homens baixaram as metralhadoras. “Logo estarei de volta.” Foi levado em um Corcel, com os três e o motorista.
Passados cinco dias, o delegado do DEOPS em Santos comunica-lhe, por telefone, que seu filho estava morto, que teria se suicidado.
Dr. Geraldo Merlino, tio de Luiz Eduardo, por ser médico, ofereceu-se para localizar o corpo no IML. Pediu ao seu amigo, o patologista Antônio Cardoso de Almeida, para acompanhá-lo. Procuraram informar-se com dr. Arnaldo Siqueira, diretor do IML. Ele negou que o corpo de Luiz Eduardo da Rocha Merlino ali estivesse. Afortunadamente, um cunhado de Luiz burlou a vigilância no IML e viu o corpo. Os dois médicos voltaram ao IML e reconheceram o cadáver. Furiosos, dirigiram-se ao diretor Arnaldo Siqueira: “Por que mentiu; por que o corpo estava em uma gaveta sem nome; por que o IML ocultou um corpo?”. Arnaldo Siqueira alegou que aquele corpo aguardava identificação. Mentiu novamente. Na verdade a Requisição de Exame ao IML, datada do dia anterior, 19 de julho, já identificava Luiz Eduardo da Rocha Merlino e dava como “histórico do caso: no dia e hora supramencionados (19-07, 19:30 horas; BR-116, Jacupiranga) ao fugir da escolta que o levava para Porto Alegre/RS, na estrada BR-116, foi atropelado e em consequência veio a falecer.” No mesmo dia 19 de julho foi elaborado o laudo necroscópico, assinado pelos médicos-legistas Isaac Abramovitc e Abeylard Orsini, dando como causa da morte “anemia aguda traumática por ruptura da artéria ilíaca direita” e ainda, “segundo consta, foi vítima de atropelamento”.
O corpo de Luiz Merlino foi retirado do IML-SP e enterrado no Cemitério de Paquetá, em Santos, pela família.
Sessões de tortura
Guido Rocha já estava no x-zero, a “cela forte” ou “solitária” da OBAN/DOI-CODI, há vários dias quando os policiais chegaram com Luiz Merlino. Guido tentara sair do país por Santa Cruz de La Sierra, Bolívia, onde chegara por trem. Enquanto prosseguia, o governo de esquerda de Juan José Torres foi derrubado; havia um intenso processo repressivo em curso. Guido Rocha foi preso e entregue aos militares brasileiros.
O x-zero era uma cela quase totalmente escura. Chão de cimento, colchão manchado de sangue jogado no piso, uma privada turca, que os presos chamavam de boi. Só entrava luz na cela quando uma portinhola era aberta para passar comida. Antes mesmo de Luiz Eduardo ser trazido para o x-zero, Guido já o conhecia pelos seus gritos e gemidos que ouvira muitas vezes vindos da sala de torturas, localizada bem ao lado. Ele diz que não se lembra quantas vezes Luiz Eduardo foi submetido a sessões de tortura. Mas ficou impressionado com a tranquilidade que ele demonstrava. Estava muito machucado e viera carregado pelos policiais. Com voz fraca, contou-lhe que tinha chegado da França há poucos dias, que trabalhara no Jornal da Tarde e na Folha da Tarde, que fora preso na casa da mãe em Santos - e que esperava sair dali logo. Mas a sua saúde começava a piorar. As duas pernas ficaram dormentes, devido ao tempo que passara pendurado no “pau-de-arara”. Para ir à privada turca, Guido tinha que carregá-lo, embora, por ser franzino, mal o aguentasse. Uma vez, trouxeram um outro preso político para ser acareado com Merlino na própria cela, o que demonstra o quanto ele estava mal. O procedimento comum nesses casos seria a acareação na sala de torturas.
Na manhã do dia 17, o enfermeiro da Equipe A do DOI-CODI arrastou uma escrivaninha até o pequeno muro que divide o pátio, onde existiam sete celas. Pediu então ao carcereiro Marechal para trazer o preso do x-zero. Luiz Merlino foi carregado até à mesa improvisada. O enfermeiro, com bata branca, calças e botas militares, tirou o calção de Merlino, colocou-o de costas para cima e massageou suas pernas. Ele gemeu, chorou e gritou de dor. Suas nádegas estavam esfoladas. Os presos das celas 2 e 3, em um breve período de afastamento do enfermeiro, conversaram com ele, que se identificou. Contou que fora torturado toda a noite e que suas pernas não o obedeciam mais. De volta ao x-zero, Merlino piorava. O enfermeiro fez o teste de reflexo no joelho e planta do pé, sem resposta alguma. Ficou perturbado, mas se irritou quando Guido Rocha cobrou a remoção do companheiro para um hospital, batendo a porta maciça de ferro. Guido deu uma pêra a Merlino, pois ele botava para fora tudo o que comia - e havia sangue nos vômitos. “Chame o enfermeiro rápido, que estou muito mal”, pediu Merlino. A dormência já alcançava os seus braços. Guido Rocha bateu na pesada porta e gritou por socorro. O enfermeiro reapareceu, com outras pessoas, que Guido identificou como torturadores. Eles levaram Merlino para morrer no Hospital Geral do Exército.
No dia seguinte, Guido foi removido do x-zero, que foi varrido e lavado. No dia 20, o PM Gabriel contou aos presos políticos que Merlino morrera no dia anterior, “por problemas de coração”.
Guido de Souza Rocha, posteriormente, foi transferido para a Penitenciária de Linhares, em Juiz de Fora, e deu o nome de Luiz Eduardo Merlino à sua cela.
Denúncias em Auditorias
Os presos políticos Eleonora Menicucci de Oliveira, Ricardo Prata Soares e Laurindo Junqueira Filho denunciaram nas duas Auditorias Militares de São Paulo que viram Luiz Eduardo Merlino ser massageado no pátio do DOI-CODI, no dia 17 de julho, entre gracejos de um enfermeiro e de um capitão. O professor Rui Coelho, vice-diretor da Faculdade de Filosofia da USP, declarou também que viu Merlino na prisão e testemunhou que ele se portou com altivez em seu martírio. Zilá Prestes Pra Baldi disse que observou o corpo de Merlino, já morto, cheio de equimoses.
A primeira versão para a morte de Merlino, dada pelo PM Gabriel aos presos do DOI-CODI, problemas de coração, foi logo abandonada. Ficou como versão oficial o que foi dito à sua mãe, Dona Iracema, suicídio, auto-atropelamento: após uma breve parada em Jacupiranga, a escolta policial deixara Merlino sozinho e ele aproveitara para correr e se jogar sob as rodas de um carro na BR-116, às 19:30 horas do dia 19 de julho de 1971. Essa versão constou na Requisição de Exame ao IML, no Laudo Necroscópico, assinado por Isaac Abramovitc e Abeylard Orsini, e na Certidão de Óbito, que teve como declarante o Delegado do DEOPS Alcides Cintra Bueno.
Jornalistas amigos de Luiz Merlino, sem que soubessem de como realmente ele fora morto, deslocaram-se até Jacupiranga e não encontraram nenhum sinal, qualquer vestígio do suposto atropelamento ou outro acidente de trânsito ocorrido naquele ponto, no dia indicado.
O veículo que o teria atropelado nunca foi identificado nem foi feita ocorrência no local do fato. É inverossímil um preso político ser deixado sozinho numa viatura, naquelas circunstâncias. Seu estado precário de saúde, quando foi retirado do x-zero, era desesperador. Não conseguia sequer se manter de pé. Como iria correr e atirar-se sob um carro?
A imprensa foi impedida de noticiar a morte de Luiz Merlino. Somente no dia 26 de agosto de 1971 o Estado de São Paulo publicou um anúncio fúnebre: “ Os amigos e parentes do jornalista Luiz Eduardo da Rocha Merlino convidam os jornalistas brasileiros e o povo em geral para a missa de trigésimo dia de seu falecimento a realizar-se sábado próximo, 28 de agosto, às 18:30 horas, na Catedral da Sé, em São Paulo”.
No dia 27 de Agosto a Tribuna de Santos publicou: “ Estava morto há dias jornalista desaparecido. O jornalista Luiz Eduardo Merlino, que estava desaparecido desde o dia 16 de julho último, quando retornou da Europa, morreu quatro dias depois, segundo anúncio fúnebre publicado na edição de ontem de O Estado de São Paulo, convidando para a missa de trigésimo dia, que será celebrada amanhã, às 18:30 horas, na Catedral da Sé.
Há uma semana, um despacho enviado de Paris pela Agência Reuters, dava conta de que Luiz Merlino teria sido detido pelas Autoridades responsáveis pela Segurança Nacional no mesmo dia de sua chegada e seu corpo entregue à sua mãe, quatro dias depois. Todavia, somente com o anúncio fúnebre publicado hoje é que veio a se confirmar sua morte”.
Apesar da violência e dos riscos do período, cerca de 770 jornalistas compareceram ao culto na Sé, desafiando o forte aparato policial presente na Catedral: até no coro havia policiais portando metralhadoras.
Vida legal
Iracema, mãe de Merlino, morreu no dia 31 de março de 1995. Com a filha Regina, nunca deixou de lutar pela verdade. Em 1979 moveu ação declaratória contra a versão oficial, com o apoio do Sindicato dos jornalistas. Em entrevistas a O Estado de São Paulo, em 1º/08/70, disse: “Quero que ele seja reconhecido como homem de verdade, que foi morto. Acredito piamente que ele foi assassinado”.
Angela Maria Mendes de Almeida, que permanecera na França após o retorno de Merlino, denunciou o assassinato de seu companheiro tanto no exílio como no Brasil, após sua volta.
Luiz Merlino tinha 23 anos quando foi morto sob torturas. Nascido e criado em Santos, mudou-se aos 17 anos para São Paulo. Dois anos depois, fez parte da primeira equipe do Jornal da Tarde. Trabalhou também na Folha da Tarde e no Jornal do Bairro.
Ingressou na USP, no curso de História. Tinha trancado matrícula quando foi à Europa, por sete meses.
Iniciou sua militância no movimento secundarista, em Santos. Participou do movimento estudantil em 1968 Ingressou no POC nesse ano. Como repórter, esteve no Congresso da UNE, em Ibiuna, São Paulo, e foi, na ocasião, uma das principais fontes de informação sobre a repressão ao evento. Sua militância era clandestina, embora mantivesse vida legal, com seus documentos próprios e atividade profissional. Foi à França e voltou de lá com seu próprio passaporte.
O relator do caso na Comissão Especial foi Nilmário Miranda. Ele diz em seu parecer:
(...) é certo que a versão do suicídio, por auto-atropelamento não tem sustentação, porém, ainda que fosse verdadeira estaria abrangida pela lei, pois ocorreu sob a guarda dos agentes públicos.
Seu voto foi acolhido por unanimidade (7x0), no dia 23 de abril de 1996.
Do livro: Dos filhos deste solo - Mortos e desaparecidos políticos durante a ditadura militar: a responsabilidade do Estado
Autores: Nilmário Miranda e Carlos Tibúrcio
São Paulo, Boitempo Editorial/Editora da Fundação Perseu Abramo, 1999, pp. 512-516.
"Artéria rompida"
Às 20hs de 20 de julho de 1971, Iracema Merlino recebeu um telefonema de um delegado do DEOPS de Santos comunicando a morte de seu filho Luiz Eduardo. O informante disse que ele teria se jogado embaixo de um carro na BR-116, em Jacupiranga, após escapar da escolta que o estaria conduzindo a Porto Alegre, “para entregar companheiros”. Ela tinha sido tomada de imensa angústia desde o dia 15 de julho, quando vieram buscá-lo em sua casa, à Rua Itapura Miranda, 13, em Santos.
Naquele dia, um homem, em trajes civis, dizendo-se amigo, pediu para chamar seu filho. Já passavam das 21hs. Luiz Eduardo estava com uma gripe forte e fora deitar mais cedo. Ela o despertou e ele lhe disse que não conhecia ninguém com o nome dado, mas, mesmo assim, iria atendê-lo. Estava calmo. Em seguida, o visitante entrou na casa, acompanhado de dois outros agentes, considerando certa a presença de quem procuravam. A cordialidade anterior dos invasores cedeu lugar à brutalidade. Os militares ameaçaram a irmã de Luiz Eduardo, Regina, com metralhadoras em punho, porque ela protestara contra a invasão de sua casa e a iminente prisão do irmão. Perguntaram também por Ângela Maria Mendes de Almeida, companheira de Luiz Eduardo, e entraram no quarto dele para revistar e revirar tudo. Dona Iracema ficou nervosa. Luiz Eduardo, calmamente, tranquilizou sua mãe e a irmã, e os homens baixaram as metralhadoras. “Logo estarei de volta.” Foi levado em um Corcel, com os três e o motorista.
Passados cinco dias, o delegado do DEOPS em Santos comunica-lhe, por telefone, que seu filho estava morto, que teria se suicidado.
Dr. Geraldo Merlino, tio de Luiz Eduardo, por ser médico, ofereceu-se para localizar o corpo no IML. Pediu ao seu amigo, o patologista Antônio Cardoso de Almeida, para acompanhá-lo. Procuraram informar-se com dr. Arnaldo Siqueira, diretor do IML. Ele negou que o corpo de Luiz Eduardo da Rocha Merlino ali estivesse. Afortunadamente, um cunhado de Luiz burlou a vigilância no IML e viu o corpo. Os dois médicos voltaram ao IML e reconheceram o cadáver. Furiosos, dirigiram-se ao diretor Arnaldo Siqueira: “Por que mentiu; por que o corpo estava em uma gaveta sem nome; por que o IML ocultou um corpo?”. Arnaldo Siqueira alegou que aquele corpo aguardava identificação. Mentiu novamente. Na verdade a Requisição de Exame ao IML, datada do dia anterior, 19 de julho, já identificava Luiz Eduardo da Rocha Merlino e dava como “histórico do caso: no dia e hora supramencionados (19-07, 19:30 horas; BR-116, Jacupiranga) ao fugir da escolta que o levava para Porto Alegre/RS, na estrada BR-116, foi atropelado e em consequência veio a falecer.” No mesmo dia 19 de julho foi elaborado o laudo necroscópico, assinado pelos médicos-legistas Isaac Abramovitc e Abeylard Orsini, dando como causa da morte “anemia aguda traumática por ruptura da artéria ilíaca direita” e ainda, “segundo consta, foi vítima de atropelamento”.
O corpo de Luiz Merlino foi retirado do IML-SP e enterrado no Cemitério de Paquetá, em Santos, pela família.
Sessões de tortura
Guido Rocha já estava no x-zero, a “cela forte” ou “solitária” da OBAN/DOI-CODI, há vários dias quando os policiais chegaram com Luiz Merlino. Guido tentara sair do país por Santa Cruz de La Sierra, Bolívia, onde chegara por trem. Enquanto prosseguia, o governo de esquerda de Juan José Torres foi derrubado; havia um intenso processo repressivo em curso. Guido Rocha foi preso e entregue aos militares brasileiros.
O x-zero era uma cela quase totalmente escura. Chão de cimento, colchão manchado de sangue jogado no piso, uma privada turca, que os presos chamavam de boi. Só entrava luz na cela quando uma portinhola era aberta para passar comida. Antes mesmo de Luiz Eduardo ser trazido para o x-zero, Guido já o conhecia pelos seus gritos e gemidos que ouvira muitas vezes vindos da sala de torturas, localizada bem ao lado. Ele diz que não se lembra quantas vezes Luiz Eduardo foi submetido a sessões de tortura. Mas ficou impressionado com a tranquilidade que ele demonstrava. Estava muito machucado e viera carregado pelos policiais. Com voz fraca, contou-lhe que tinha chegado da França há poucos dias, que trabalhara no Jornal da Tarde e na Folha da Tarde, que fora preso na casa da mãe em Santos - e que esperava sair dali logo. Mas a sua saúde começava a piorar. As duas pernas ficaram dormentes, devido ao tempo que passara pendurado no “pau-de-arara”. Para ir à privada turca, Guido tinha que carregá-lo, embora, por ser franzino, mal o aguentasse. Uma vez, trouxeram um outro preso político para ser acareado com Merlino na própria cela, o que demonstra o quanto ele estava mal. O procedimento comum nesses casos seria a acareação na sala de torturas.
Na manhã do dia 17, o enfermeiro da Equipe A do DOI-CODI arrastou uma escrivaninha até o pequeno muro que divide o pátio, onde existiam sete celas. Pediu então ao carcereiro Marechal para trazer o preso do x-zero. Luiz Merlino foi carregado até à mesa improvisada. O enfermeiro, com bata branca, calças e botas militares, tirou o calção de Merlino, colocou-o de costas para cima e massageou suas pernas. Ele gemeu, chorou e gritou de dor. Suas nádegas estavam esfoladas. Os presos das celas 2 e 3, em um breve período de afastamento do enfermeiro, conversaram com ele, que se identificou. Contou que fora torturado toda a noite e que suas pernas não o obedeciam mais. De volta ao x-zero, Merlino piorava. O enfermeiro fez o teste de reflexo no joelho e planta do pé, sem resposta alguma. Ficou perturbado, mas se irritou quando Guido Rocha cobrou a remoção do companheiro para um hospital, batendo a porta maciça de ferro. Guido deu uma pêra a Merlino, pois ele botava para fora tudo o que comia - e havia sangue nos vômitos. “Chame o enfermeiro rápido, que estou muito mal”, pediu Merlino. A dormência já alcançava os seus braços. Guido Rocha bateu na pesada porta e gritou por socorro. O enfermeiro reapareceu, com outras pessoas, que Guido identificou como torturadores. Eles levaram Merlino para morrer no Hospital Geral do Exército.
No dia seguinte, Guido foi removido do x-zero, que foi varrido e lavado. No dia 20, o PM Gabriel contou aos presos políticos que Merlino morrera no dia anterior, “por problemas de coração”.
Guido de Souza Rocha, posteriormente, foi transferido para a Penitenciária de Linhares, em Juiz de Fora, e deu o nome de Luiz Eduardo Merlino à sua cela.
Denúncias em Auditorias
Os presos políticos Eleonora Menicucci de Oliveira, Ricardo Prata Soares e Laurindo Junqueira Filho denunciaram nas duas Auditorias Militares de São Paulo que viram Luiz Eduardo Merlino ser massageado no pátio do DOI-CODI, no dia 17 de julho, entre gracejos de um enfermeiro e de um capitão. O professor Rui Coelho, vice-diretor da Faculdade de Filosofia da USP, declarou também que viu Merlino na prisão e testemunhou que ele se portou com altivez em seu martírio. Zilá Prestes Pra Baldi disse que observou o corpo de Merlino, já morto, cheio de equimoses.
A primeira versão para a morte de Merlino, dada pelo PM Gabriel aos presos do DOI-CODI, problemas de coração, foi logo abandonada. Ficou como versão oficial o que foi dito à sua mãe, Dona Iracema, suicídio, auto-atropelamento: após uma breve parada em Jacupiranga, a escolta policial deixara Merlino sozinho e ele aproveitara para correr e se jogar sob as rodas de um carro na BR-116, às 19:30 horas do dia 19 de julho de 1971. Essa versão constou na Requisição de Exame ao IML, no Laudo Necroscópico, assinado por Isaac Abramovitc e Abeylard Orsini, e na Certidão de Óbito, que teve como declarante o Delegado do DEOPS Alcides Cintra Bueno.
Jornalistas amigos de Luiz Merlino, sem que soubessem de como realmente ele fora morto, deslocaram-se até Jacupiranga e não encontraram nenhum sinal, qualquer vestígio do suposto atropelamento ou outro acidente de trânsito ocorrido naquele ponto, no dia indicado.
O veículo que o teria atropelado nunca foi identificado nem foi feita ocorrência no local do fato. É inverossímil um preso político ser deixado sozinho numa viatura, naquelas circunstâncias. Seu estado precário de saúde, quando foi retirado do x-zero, era desesperador. Não conseguia sequer se manter de pé. Como iria correr e atirar-se sob um carro?
A imprensa foi impedida de noticiar a morte de Luiz Merlino. Somente no dia 26 de agosto de 1971 o Estado de São Paulo publicou um anúncio fúnebre: “ Os amigos e parentes do jornalista Luiz Eduardo da Rocha Merlino convidam os jornalistas brasileiros e o povo em geral para a missa de trigésimo dia de seu falecimento a realizar-se sábado próximo, 28 de agosto, às 18:30 horas, na Catedral da Sé, em São Paulo”.
No dia 27 de Agosto a Tribuna de Santos publicou: “ Estava morto há dias jornalista desaparecido. O jornalista Luiz Eduardo Merlino, que estava desaparecido desde o dia 16 de julho último, quando retornou da Europa, morreu quatro dias depois, segundo anúncio fúnebre publicado na edição de ontem de O Estado de São Paulo, convidando para a missa de trigésimo dia, que será celebrada amanhã, às 18:30 horas, na Catedral da Sé.
Há uma semana, um despacho enviado de Paris pela Agência Reuters, dava conta de que Luiz Merlino teria sido detido pelas Autoridades responsáveis pela Segurança Nacional no mesmo dia de sua chegada e seu corpo entregue à sua mãe, quatro dias depois. Todavia, somente com o anúncio fúnebre publicado hoje é que veio a se confirmar sua morte”.
Apesar da violência e dos riscos do período, cerca de 770 jornalistas compareceram ao culto na Sé, desafiando o forte aparato policial presente na Catedral: até no coro havia policiais portando metralhadoras.
Vida legal
Iracema, mãe de Merlino, morreu no dia 31 de março de 1995. Com a filha Regina, nunca deixou de lutar pela verdade. Em 1979 moveu ação declaratória contra a versão oficial, com o apoio do Sindicato dos jornalistas. Em entrevistas a O Estado de São Paulo, em 1º/08/70, disse: “Quero que ele seja reconhecido como homem de verdade, que foi morto. Acredito piamente que ele foi assassinado”.
Angela Maria Mendes de Almeida, que permanecera na França após o retorno de Merlino, denunciou o assassinato de seu companheiro tanto no exílio como no Brasil, após sua volta.
Luiz Merlino tinha 23 anos quando foi morto sob torturas. Nascido e criado em Santos, mudou-se aos 17 anos para São Paulo. Dois anos depois, fez parte da primeira equipe do Jornal da Tarde. Trabalhou também na Folha da Tarde e no Jornal do Bairro.
Ingressou na USP, no curso de História. Tinha trancado matrícula quando foi à Europa, por sete meses.
Iniciou sua militância no movimento secundarista, em Santos. Participou do movimento estudantil em 1968 Ingressou no POC nesse ano. Como repórter, esteve no Congresso da UNE, em Ibiuna, São Paulo, e foi, na ocasião, uma das principais fontes de informação sobre a repressão ao evento. Sua militância era clandestina, embora mantivesse vida legal, com seus documentos próprios e atividade profissional. Foi à França e voltou de lá com seu próprio passaporte.
O relator do caso na Comissão Especial foi Nilmário Miranda. Ele diz em seu parecer:
(...) é certo que a versão do suicídio, por auto-atropelamento não tem sustentação, porém, ainda que fosse verdadeira estaria abrangida pela lei, pois ocorreu sob a guarda dos agentes públicos.
Seu voto foi acolhido por unanimidade (7x0), no dia 23 de abril de 1996.
Do livro: Dos filhos deste solo - Mortos e desaparecidos políticos durante a ditadura militar: a responsabilidade do Estado
Autores: Nilmário Miranda e Carlos Tibúrcio
São Paulo, Boitempo Editorial/Editora da Fundação Perseu Abramo, 1999, pp. 512-516.
Paulo Abrão sobre Ustra: "É uma vitória contra a impunidade"
Nesta terça-feira (27/06/2012) o coronel reformado do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra foi condenado pela Justiça de São Paulo a pagar uma indenização de R$100 mil à família do jornalista Luiz Eduardo da Rocha Merlino, morto sob tortura em 1971 nas dependências do Doi-Codi. O Secretário Nacional de Justiça do Ministério da Justiça, Paulo Abrão, comenta a decisão: “É uma vitória contra a transição imposta pela ditadura que pretendia gerar esquecimento e impunidade.”
A juíza Claudia de Lima Menge sentenciou que o jornalista foi torturado e assassinado e não atropelado, conforme constava nos documentos mentirosos da ditadura militar.
Em texto exemplar, Menge destaca a crueldade do réu no comando ou na prática da tortura nas dependências do DOI-Codi, órgão de repressão da ditadura que o Coronel dirigia na época.
Por e-mail, com exclusividade para o Vermelho, o Secretário Nacional de Justiça do Ministério da Justiça, Paulo Abrão, comenta a decisão: “A verdade e a justiça são indissociáveis e complementares. A decisão é uma vitória contra a transição imposta pela ditadura que pretendia gerar esquecimento e impunidade.”
Abrão, também presidente da Comissão de Anistia, destaca ainda que “a lei de anistia, mesmo se concebida como válida e legítima, tem efeitos jurídicos estritamente penais e não há óbice para o exercício da justiça na esfera civil.”
Decisão contra Ustra começa a demolir a muralha dos torturadores
O secretário conclui, enfatizando a imprescritibilidade de crimes hediondos: “A decisão é importante para evocar a concepção de que o direito a reparação em relação aos danos morais e materiais advindos das graves violações aos direitos humanos são imprescritíveis e que o sistema de justiça democrático se posiciona ao lado das vítimas e não dos repressores”. Por Christiane Marcondes, de São Paulo
FOTO DE LUIZ EDUARDO DA ROCHA MERLINO
Texto integral da Sentença
Processo Nº 583.00.2010.175507-9
VISTOS. ANGELA MARIA MENDES DE ALMEIDA e REGINA MARIA MERLINO DIAS DE ALMEIDA, com qualificação na inicial, propuseram AÇÃO CONDENATÓRIA contra CARLOS ALBERTO BRILHANTE USTRA, também qualificado, sob fundamento de que foram, respectivamente, companheira e irmã de LUIZ EDUARDO DA ROCHA MERLINO, jornalista falecido em 19/7/1971, quando estava preso no DOI-CODI (Destacamento de Operações e Informações – Centro de Operações de Defesa Interna, órgão subordinado ao exército) em São Paulo, em decorrência de espancamentos e atos outros de tortura comandados e praticados diretamente pelo requerido. Fazem relato da participação da primeira autora e de Luiz Eduardo no movimento estudantil no final da década de 60 e das atividades desenvolvidas como integrantes do Partido Operário Comunista, clandestinos desde 1968, depois residentes por um tempo na França. Em 15/7/1971, em visita a sua família em Santos, Luiz Eduardo foi levado a força, sob a mira de pesado armamento, por agentes do DOI- CODI. Nos quatro dias subsequentes, militares mantiveram a família, inclusive a coautora Regina, sob constante vigilância, mas sem notícias sobre Luiz Eduardo, até que noticiado seu falecimento, por suicídio. Foi possível, porém, constatar que ele fora vítima de tortura, tendo em conta as condições em que se apresentava o corpo. Diversa, porém, foi a versão apresentada pelos agentes do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social): quando era transportado para o Rio Grande do Sul, para lá reconhecer colegas militantes, durante uma parada na proximidades de Jacupiranga, Luiz Eduardo teria se jogado à frente de um carro que trafegava pela rodovia e fora atropelado. Este o conteúdo lançado no atestado de óbito pelos técnicos no IML. Tempos depois, outras pessoas que estiveram no DOI-CODI na mesma época trouxeram relato de que Luiz Eduardo fora espancado durante 24 horas seguidas no “pau-de-arara” e, como consequência, passou a apresentar dores nas pernas, que, depois, se constatou ser sintoma de complicações circulatórias severas, que redundaram na morte dele, por falta de atendimento médico adequado e excesso nos atos praticados pelo réu. A coautora Maria Helena estava na França quando recebeu a notícia da morte de seu companheiro. Mesmo depois do fatídico evento, a família foi mantida sob constante vigilância por agentes do exército. Os espancamentos de Luiz Eduardo se deram sob supervisão, comando e, por vezes, por ato direto do requerido, que, então, era comandante do DOI-CODI e da operação OBAN (Operação Bandeirante, como foi denominado o centro de informações e investigações montado pelo exército em 1969, voltado a coordenar e integrar as ações dos órgãos de combate às o rganizações armadas de esquerda). Sofreram danos morais como decorrência de referidos atos de tortura praticados pelo réu e que resultaram na morte daquele que era, respectivamente, companheiro e irmão. Tecem considerações acerca da imprescritibilidade das pretensões relacionadas a afronta aos direitos da personalidade e aos direitos humanos. Pedem a procedência da ação para o fim de ser o réu condenado ao pagamento de indenização por danos morais. Veio a inicial instruída com os documentos de fls. 29/132, entre eles cópias de depoimentos testemunhais, decisões judiciais e notícias jornalísticas. Em contestação (fls. 141/159), invoca o requerido preliminares de falta de pressuposto processual, incompetência absoluta, ilegitimidade passiva, falta de interesse de agir e impossibilidade jurídica do pedido. No mérito, argumenta ter sido a pretensão atingida pela prescrição e nega participação nos atos descritos, que não encontram substrato no conte� �do do atestado de óbito do jornalista. Sustenta serem inverídicos os relatos feitos por presos políticos. Pugna pela improcedência do pedido e junta documentos. Seguiu-se manifestação das autoras (fls. 658/665) e, por decisão de fls. 670/671, afastadas as preliminares, foi deferida a produção de prova oral. Contra referida decisão tirou o réu agravo de instrumento (fls. 686/699), pendente de julgamento. Consistiu a instrução da inquirição de sete testemunhas (fls. 756 e 789/848, 961). Encerrada referida fase processual, apresentaram as partes alegações finais, sob a forma de memoriais. É o relatório. Fundamento e DECIDO. I. É objetivo das autoras condenação ao pagamento de indenização por danos morais decorrentes dos atos por ele praticados com excesso e abuso de poder, na qualidade de membro do Exército, comandante do DOI-CODI e da operação OBAN, consistentes em comandar tortura e, por vezes, dela participar diretamente, da qual resultou a morte de Luiz Eduardo da Rocha Merlino, que foi, respectivamente, companheiro e irmão delas. Resiste o réu a dita pretensão, forte quanto a estar prescrita a pretensão, de resto não praticados os atos que lhe são imputados. II. Superado, por decisão saneadora, o enfrentamento das questões processuais, oportuno mencionar que o litígio em análise não sofre ingerência da anistia contemplada na Lei nº 6.683/79, de âmbito exclusivamente penal, como de resto reconheceu o Supremo Tribunal Federal ao apreciar a reclamação arguida pelo requerido por suposta violação à decisão da Corte no ADPF 153, em razão de decisão proferida nestes autos: “não há identidade entre o caso apresentado e o decidido por esta Casa de Justiça do julgamento da APDF 153” no sentido da “integração da anistia da Lei de 1979 na nova ordem constitucional. Lei de anistia, contudo, que não trata da responsabilidade civil pelos atos praticados no chamado ‘período de exceção’. E � � certo que a anistia como causa de extinção da punibilidade e focada categoria de direito penal não implica a imediata exclusão do ilícito civil e sua consequente repercussão indenizatória.” (fls. 930/931). Não é de olvidar, porém, que até mesmo a anistia assim referendada pela Corte Suprema não está infensa a discussões, tendo em conta subsequente julgamento proferido pela Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), em que o Brasil foi condenado pelo desaparecimento de militantes na guerrilha do Araguaia, enquadrados os fatos como crimes contra a humanidade e declarados imprescritíveis. No ponto, ostenta especial relevância considerar que a atual configuração inter-relacionada dos diversos países, integrantes de organizações internacionais voltadas para fins políticos, econômicos e sociais, e a intensa movimentação de pessoas entre as várias nações, faz com que a regulamentação acerca do respeito a os direitos humanos e das consequências dos atos praticados afronta deles transcenda largamente a posição soberana dos Estados para se basear, isto sim, em cada pessoa, como titular de direitos essenciais, independentemente da nacionalidade e do local em que esteja. Daí a relevância dos tratados internacionais acerca de direitos humanos, vez que como direitos essenciais não podem sofrer injunções ou considerações locais, com base no poder constituinte, quer originário, quer derivado. Como ensina Márcio Sotelo Felipe (www.viomundo.com.br), “além do fenômeno da convencionalidade sustentado pelo princípio da ‘pacta sunt servanda’, há normas de Direito Internacional que têm a característica da cogência. Após Nuremberg se reconhece que normas do Direito Internacional dos Direitos Humanos são cogentes. Derivadas dos costumes e de outras fontes formais do Direito, independem, para sua eficácia, da vontade dos sujeitos envolvidos numa relação jurídica. A racionalidade disto é clara. Trata-se de um imperativo moral transformado em axioma jurídico: como poderia a proteção da vida e dos direitos básicos da pessoa humana depender de um ato de vontade, em qualquer plano do fenômeno jurídico?” (...) “A ideia de que somente normas positivadas por meio de determinados procedimentos formais constituem o Direito independentemente de juízo de valor deve ser considerada hoje uma etapa primitiva do desenvolvimento do fenômeno jurídico. Isto porque a dignidade da pessoa humana deixou de ser postulado filosófico para tornar-se axioma jurídico. Está na raiz dos instrumentos internacionais de defesa dos Direitos Humanos que se seguiram à barbárie nazista: a Declaração Universal de 1948, o Pacto de Direitos Civis e Políticos, a Declaração de Direitos Econômicos e Sociais, a Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e contra a Humanidade, de 1968, Convenção contra a Tortura, etc.” Desde 1992, o Brasil ratificou a Convenção Internacional de Direitos Humanos e, em 1998, reconheceu a competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos para o trato do tema. Em recente julgamento, referida Corte reconheceu a invalidade da Lei da Anistia porque “afetou o dever internacional do Estado de investigar e punir as graves violações de direitos humanos, ao impedir que os familiares das vítimas no presente caso fossem ouvidos por um juiz, conforme estabelece o artigo 8.1 da Convenção Americana, e violou o direito à proteção judicial consagrado no artigo 25 do mesmo instrumento, precisamente pela falta de investigação, persecução, captura, julgamento e punição dos responsáveis pelos fatos, descumprindo também o art. 1.1 da Convenção.” Estes os termos em que há muito, sob a ótica dos direitos humanos, está proclamada a imprescritibilidade dos crimes contra os direitos de personalidade e de suas consequências, vez que devem ser tratados sem conside ração a fronteiras e soberania nacionais. É farta a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no reconhecimento da imprescritibilidade da ação de reparação de danos morais decorrentes de ofensas a direitos humanos, inclusive aquelas praticadas durante o regime militar. Eis os exemplos: “Agravo Regimental no Agravo de Instrumento. Processual civil. Administrativo. Ação de reparação de danos morais. Prisão ilegal e tortura durante o período militar. Prescrição quinquenal prevista no art. 1º do Decreto 20.910/32. Não ocorrência. Imprescritibilidade de pretensão indenizatória decorrente de violação de direitos humanos fundamentais durante o período da ditadura militar. Recurso incapaz de infirmar os fundamentos da decisão agravada. Agravo desprovido. 1. São imprescritíveis as ações de reparação de dano ajuizadas em decorrência de perseguição, tortura e prisão, por motivos políticos, durante o Regime Militar, afastando, por conseguinte, a prescrição quinquenal prevista no artigo 1º do Decreto 20.910/32. Isso porque as referidas ações referem-se a período em que a ordem jurídica foi desconsiderada, com legislação de exceção, havendo, sem dúvida, incontáveis abusos e violações de direitos fundamentais, mormente do direito à dignidade da pessoa humana. 2. Não há falar em prescrição da pretensão de se implementar um dos pilares da República, máxime porque a Constituição não estipulou lapso prescricional ao direito de agir, correspondente ao direito inalienável à dignidade. (REsp. 816.209/RJ, 1ª Turma, rel. Min. Luiz Fux, DJ, 3/9/2007). 3. No que diz respeito à prescrição, já pontuou esta Corte que a prescrição quinquenal prevista no art. 1º do Decreto-lei 20.910/32 não se aplica aos danos morais decorrentes de violação de direitos da personalidade, que são imprescritíveis, máxime quando se fala da época do Regime Militar, quando os jurisdicionais não podiam buscar a contento as suas pretensões. (REsp. 1.002.009/PE, 2ª Turma, rel. Min. Humberto Martins, DJ 21/2/2008). 4. Agravo regimental desprovido.” (STJ, AgRg no Ag 970753/MG, 1ª Turma, rel. Min. Denise Arruda, DEJ 12/11/2008). “Agravo regimental. Administrativo. Responsabilidade civil do Estado. Danos morais. Tortura. Regime militar. Imprescritibilidade. 1. A Segunda Turma desta Corte Superior, em recente julgamento, ratificou seu posicionamento no sentido da imprescritibilidade dos danos morais advindos de tortura no regime militar, motivo pelo qual a jurisprudência neste órgão fracionário considera-se pacífica. Não-ocorrência de violação ao art. 557 do CPC. Via inadequada para fazer valer suposta divergência entre as Turmas que compõem a Primeira Seção. (...) 5. Agravo regimental não-provido.” (STJ, AgRg no REsp 970697/MG, 2ª Turma, rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJE 5/11/2008). Cai como luva ao caso em análise o trecho do acórdão de que foi relatora a Ministra Eliana Calmon (REsp. 602.237): “Sob a égide da Constituição de 88, inaugurou-se no Brasil uma nova visão do fenômeno jurídica dando-se primazia aos princípios constitucionais, de forma a estar o magistrado autorizado a afastar a lei ordinária, se esta colidir com algum princípio da Lei Maior. Como a Carta da República tem como um dos seus princípios fundamentais a preservação da dignidade da pessoa humana, tem-se sustentado a imprescritibilidade do direito à recomposição material ou moral, quando a lesão é causada por ato político, o qual deixa a vítima inteiramente à mercê do Estado. Daí o reconhecimento da imprescritibilidade da ação de indenização dos que sofreram tortura ou outro dano qualquer por ato praticado durante o governo revolucionário de 1964, diante da fragilidade da vítima para se insurgir contra o Estado.” (...) “Não interfere na análise o fato de figurar no polo passivo o agente estatal, porque não há fundament o jurídico, doutrinário ou jurisprudencial, que autorize traçar, no tema discutido, uma linha divisória entre a ação condenatória ou declaratória proposta contra o Estado e a ação condenatória ou declaratória ajuizada contra seu agente.” (sem destaque no original). III. A prova oral deu integral respaldo ao relato feito constante da inicial. Narraram as testemunhas a dinâmica dos eventos, a elevada brutalidade dos espancamentos a que foi submetido o companheiro e irmão das autoras, que o levaram a morte, ora sob comando, ora sob atuação direta do requerido, na qualidade de comandante do DOI-CODI e da operação OBAN, vinculadas a manutenção e proteção do regime militar. Narrou a testemunha Laurindo Martins Junqueira Filho que: “Ustra era o Comandante da unidade e assistiu minha tortura, assistiu a tortura do meu companheiro que estava comigo. Ele não viu o Luiz Eduardo sendo torturado, mas ele era o Comandante da unidade de tortura e orientava essa t ortura pessoalmente.” (...) “Após o contato com o Luiz Eduardo, eu recebi informações de um soldado do exército, que prestava serviço na Unidade da OBAN, de que o Luiz Eduardo tinha morrido, tinha sido torturado durante a noite. E esse soldado, de suposto nome Washington, de cor negra, veio até mim e falou que o Luiz Eduardo tinha morrido de gangrena nas pernas; tinha sido conduzido para um passeio – foi a expressão que ele usou – na madrugada, e que tinha sido várias vezes atropelado por um caminhão que prestava serviços para a unidade da OBAN. Isso teria se repetido tantas vezes que os órgãos dele tinham sido decepados pelo caminhão.” (fl. 802). A testemunha Leane Ferreira de Almeida, por sua vez, relatou que: “ouvi os gritos do Luiz Eduardo durante três dias, durante o período que as equipes comandadas pelo Major Ustra o torturaram.” Noticia também que, embora não tenha presenciado o momento da tortura de Luiz Eduardo, o requerido estava no local dos fatos. “Estava o Ustra. A coisa principal que ele estava fazendo naquele dia era torturar as pessoas que poderiam levar a uma pessoa que ele procurava muito fortemente; (...) Ele gritava esse nome pessoalmente enquanto ele era torturado no Pau-de-Arara. Parece um código, mas era o nome de um militante. O objetivo dele era chegar aos militantes. Quando eu não tive essa informação para dar, o Luiz Eduardo foi preso e passou a ser torturado na mesma sequência e sala que eu, durante três dias consecutivos. Todos os presos escutavam os gritos dele incessantemente, até sua retirada da Operação Bandeirantes, desacordado e colocado no porta-malas de uma carro. Isso foi visto por mim, no pátio do Presídio Bandeirantes, comandado pelo Major Ustra; colocado no porta-malas de um carro por quatro outros policiais da mesma equipe. Foi colocado no porta-malas do carro, desacordado. Parecia até que já morto.” (808). Coincidem os relatos da testemunha Paulo de Tars o Vanucchi: “Retornei ao DOI-CODI da Rua Tutóia no mês de julho. (...) respondi relatórios curtos e conheci o Merlino, que foi trazido para a porta da minha cela, no xadrez três (...) onde foi a massagem, deitado numa escrivaninha, que um enfermeiro – conhecido como Boliviano – fez durante uma hora na minha frente. Pude conversar com o Merlino, eu era estudante de medicina e notei que ele tinha numa das pernas a cor da cianose, que é um sintoma de isquemia, risco de gangrena. E nos dias seguintes pergunte para carcereiros, sobretudo para um policial de nome Gabriel – negro, atencioso – o que tinha acontecido com aquele moço e ele respondeu que ele tinha sido levado para o hospital. Nos dias seguintes vi essa versão repetida e tinha contato com o Major Tibiriçá, cheguei a perguntar sobre isso e ele nada respondeu. E nesse sentido eu tenho a dizer que o Major Ustra era o comandante que determinava tudo o que podia, o que devia ser feito e o que não tinha.�� � (fl. 818). É de Joel Rufino dos Santos o seguinte relato: “Pela versão que meu esse torturador, ele (Ustra) estava presente e comandou a tortura sobre o Merlino. E decidiu ao final se amputava ou não a perna do Merlino. A versão que recebi foi essa, que o Merlino, depois de muito torturado, foi levado ao hospital e de lá telefonaram, se comunicaram com o Comandante pra saber o que fazer. Ele disse para deixar morrer.” (fl.844). As testemunhas arroladas pelo requerido, por sua vez, nada souberam informar especificamente acerca dos fatos, porque nada presenciaram, uma delas só o conheceu depois da aposentadoria. IV. Evidentes os excessos cometidos pelo requerido, diante dos depoimentos no sentido de que, na maior parte das vezes, o requerido participava das sessões de tortura e, inclusive, dirigia e calibrava intensidade e duração dos golpes e as várias opções de instrumentos utilizados. Mesmo que assim não fosse, na qualidade de comandante daquela unidade m ilitar, não é minimamente crível que o requerido não conhecesse a dinâmica do trabalho e a brutalidade do tratamento dispensados aos presos políticos. É o quanto basta para reconhecer a culpa do requerido pelos sofrimentos infligidos a Luiz Eduardo e pela morte dele que se seguiu, segundo consta, por opção do próprio demandado, fatos em razão dos quais, por via reflexa, experimentaram as autoras expressivos danos morais. Oportuno mencionar que, a par de tipificada como crime, a tortura é vedada pela Declaração Universal dos Direitos Humanos e constitui indevida afronta à incolumidade daquele que está sob a responsabilidade do Estado e do agente público no exercício do comando. Nem mesmo o eventual cumprimento de ordem de superior hierárquico poderia afastar a culpa do requerido, porque se trataria de ordem absolutamente ilegal, que, por isso mesmo, não poderia ser acatada, sem delinear culpa própria. Permito-me transcrever recente julgado do Tribunal Reg ional Federal acerca do mesmo tema: “Indenização por danos morais. Prisão. Tortura e morte do pai e marido das autoras. Regime militar. Alegada prescrição. Inocorrência. Lei n. 9.140/95. Reconhecimento oficial do falecimento pela comissão especial de desaparecidos políticos. Dever de indenizar. 1. Não há que se falar em ausência de interesse de agir dado o fato de que a reparação especial prevista na Lei 9.140/95, não impede que o interessado busque indenização sob outro fundamento jurídico. 2. Também deve ser afastada a alegação de prescrição da ação, visto que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consolidou-se no sentido da imprescritibilidade da ação para reparação por danos morais decorrentes de ofensa aos direitos humanos, incluindo aqueles perpetrados durante o ciclo do Regime Militar. 3. A documentação nos autos comprova que o falecido, em razão de sua militância política, foi perseguido, preso e torturado, o que result ou em seu óbito. 4. A morte do pai e marido das autoras em decorrência das torturas que lhe foram infligidas quando esteve preso no conhecido e temido DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), no mês de abril de 1970, foi reconhecida pela Comissão Especial instituída pelo artigo 4º da Lei 9.140/95. 5. A morte prematura do marido e pai privou as autoras de uma vida em comum com alguém intelectualmente privilegiado, além de certamente ter reflexos financeiros na vida de ambas a justificar a condenação da União a lhes pagar indenização por danos morais. 6. Considerando o princípio da razoabilidade e tendo como parâmetro decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça (REsp 41614/SP, rel. Min. Aldir Passarinho, 4ª Turma, j. 21/10/1999), entendo razoáveis os valores fixados na sentença de primeiro grau a título de danos morais. (...)” (TRF 3ª Região, 3ª Turma, rel. DEs. Rubens Calixto, j. 1/3/2012). V. A ilicitude no comportamento do réu teve o condão de causar ofensa a bem juridicamente tutelado das autoras, de caráter extrapatrimonial. Trata-se de dano reflexo, vez que conduta ilícita se dirigiu a ente próximo e muito querido delas, integrante do círculo familiar de relacionamento mais relevante. A brutal violência com que o requerido pautou sua conduta fez ainda mais gravoso o resultado final morte, dada a crueldade que, impingida a ente querido, acabou por atingir a esfera de dignidade das próprias autoras. A morte prematura por motivo político e com requintes de crueldade privou as autoras do convívio com seu companheiro e irmão, respectivamente. Por certo, a indenização almejada não será capaz de sanar a dor suportada pelas autoras, nem suprir-lhes a ausência do ente querido. Destina-se a minorar o intenso sofrimento. Muito se assemelham em seus objetivos a indenização aqui almejada e o trabalho da Comissão da Verdade, cujos integrantes foram recentemente empossados pela União. Como escr eveu Flávia Piovesan em recente artigo publicado no jornal “O Estado de São Paulo”, edição de 6/5/2012: “Para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, ‘toda sociedade tem o direito irrenunciável de conhecer a verdade do ocorrido, assim como as razões e circunstâncias em que aberrantes delitos foram cometidos, a fim de evitar que esses atos voltem a ocorrer no futuro’. O direito à verdade apresenta uma dupla dimensão: individual e coletiva. Individual ao conferir aos familiares de vítimas de graves violações o direito à informação sobre o ocorrido, permitindo-lhes o direito a honrar seus entes queridos, celebrando o direito ao luto. Coletivo, ao assegurar à sociedade em geral o direito à construção da memória e identidade coletivas, cumprindo um papel preventivo, ao confiar às gerações futuras a responsabilidade de prevenir a ocorrência de tais práticas. Como sustenta um parlamentar chileno: ‘A consciência moral de uma nação dema nda a verdade porque apenas com base na verdade é possível satisfazer demandas essenciais de justiça e criar condições necessárias para alcançar a efetiva reconciliação nacional’.” Com tais parâmetros, fixo a indenização devida pelo requerido às autoras no valor de R$ 50.000,00 para cada uma. VI. Por todo o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido e condeno o requerido a pagar a cada uma das autoras indenização por danos morais no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), válido para esta data, a ser acrescido, até final pagamento de correção monetária computada segundo os critérios fixados pelo Tribunal de Justiça deste estado para atualização de débitos judiciais. Juros de mora incidirão desde o evento danoso, nos moldes da súmula 54 do STJ, sendo de 0,5% ao mês até 10/01/2003 e de 1% ao mês a partir de 11/1/2003. Arcará o requerido com o pagamento de custas e despesas processuais, bem como de honorários advocatícios que fixo em 10% do val or da condenação. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. São Paulo, 25 de junho de 2012. CLAUDIA DE LIMA MENGE Juíza de Direito
Nesta terça-feira (27/06/2012) o coronel reformado do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra foi condenado pela Justiça de São Paulo a pagar uma indenização de R$100 mil à família do jornalista Luiz Eduardo da Rocha Merlino, morto sob tortura em 1971 nas dependências do Doi-Codi. O Secretário Nacional de Justiça do Ministério da Justiça, Paulo Abrão, comenta a decisão: “É uma vitória contra a transição imposta pela ditadura que pretendia gerar esquecimento e impunidade.”
A juíza Claudia de Lima Menge sentenciou que o jornalista foi torturado e assassinado e não atropelado, conforme constava nos documentos mentirosos da ditadura militar.
Em texto exemplar, Menge destaca a crueldade do réu no comando ou na prática da tortura nas dependências do DOI-Codi, órgão de repressão da ditadura que o Coronel dirigia na época.
Por e-mail, com exclusividade para o Vermelho, o Secretário Nacional de Justiça do Ministério da Justiça, Paulo Abrão, comenta a decisão: “A verdade e a justiça são indissociáveis e complementares. A decisão é uma vitória contra a transição imposta pela ditadura que pretendia gerar esquecimento e impunidade.”
Abrão, também presidente da Comissão de Anistia, destaca ainda que “a lei de anistia, mesmo se concebida como válida e legítima, tem efeitos jurídicos estritamente penais e não há óbice para o exercício da justiça na esfera civil.”
Decisão contra Ustra começa a demolir a muralha dos torturadores
O secretário conclui, enfatizando a imprescritibilidade de crimes hediondos: “A decisão é importante para evocar a concepção de que o direito a reparação em relação aos danos morais e materiais advindos das graves violações aos direitos humanos são imprescritíveis e que o sistema de justiça democrático se posiciona ao lado das vítimas e não dos repressores”. Por Christiane Marcondes, de São Paulo
FOTO DE LUIZ EDUARDO DA ROCHA MERLINO
Texto integral da Sentença
Processo Nº 583.00.2010.175507-9
VISTOS. ANGELA MARIA MENDES DE ALMEIDA e REGINA MARIA MERLINO DIAS DE ALMEIDA, com qualificação na inicial, propuseram AÇÃO CONDENATÓRIA contra CARLOS ALBERTO BRILHANTE USTRA, também qualificado, sob fundamento de que foram, respectivamente, companheira e irmã de LUIZ EDUARDO DA ROCHA MERLINO, jornalista falecido em 19/7/1971, quando estava preso no DOI-CODI (Destacamento de Operações e Informações – Centro de Operações de Defesa Interna, órgão subordinado ao exército) em São Paulo, em decorrência de espancamentos e atos outros de tortura comandados e praticados diretamente pelo requerido. Fazem relato da participação da primeira autora e de Luiz Eduardo no movimento estudantil no final da década de 60 e das atividades desenvolvidas como integrantes do Partido Operário Comunista, clandestinos desde 1968, depois residentes por um tempo na França. Em 15/7/1971, em visita a sua família em Santos, Luiz Eduardo foi levado a força, sob a mira de pesado armamento, por agentes do DOI- CODI. Nos quatro dias subsequentes, militares mantiveram a família, inclusive a coautora Regina, sob constante vigilância, mas sem notícias sobre Luiz Eduardo, até que noticiado seu falecimento, por suicídio. Foi possível, porém, constatar que ele fora vítima de tortura, tendo em conta as condições em que se apresentava o corpo. Diversa, porém, foi a versão apresentada pelos agentes do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social): quando era transportado para o Rio Grande do Sul, para lá reconhecer colegas militantes, durante uma parada na proximidades de Jacupiranga, Luiz Eduardo teria se jogado à frente de um carro que trafegava pela rodovia e fora atropelado. Este o conteúdo lançado no atestado de óbito pelos técnicos no IML. Tempos depois, outras pessoas que estiveram no DOI-CODI na mesma época trouxeram relato de que Luiz Eduardo fora espancado durante 24 horas seguidas no “pau-de-arara” e, como consequência, passou a apresentar dores nas pernas, que, depois, se constatou ser sintoma de complicações circulatórias severas, que redundaram na morte dele, por falta de atendimento médico adequado e excesso nos atos praticados pelo réu. A coautora Maria Helena estava na França quando recebeu a notícia da morte de seu companheiro. Mesmo depois do fatídico evento, a família foi mantida sob constante vigilância por agentes do exército. Os espancamentos de Luiz Eduardo se deram sob supervisão, comando e, por vezes, por ato direto do requerido, que, então, era comandante do DOI-CODI e da operação OBAN (Operação Bandeirante, como foi denominado o centro de informações e investigações montado pelo exército em 1969, voltado a coordenar e integrar as ações dos órgãos de combate às o rganizações armadas de esquerda). Sofreram danos morais como decorrência de referidos atos de tortura praticados pelo réu e que resultaram na morte daquele que era, respectivamente, companheiro e irmão. Tecem considerações acerca da imprescritibilidade das pretensões relacionadas a afronta aos direitos da personalidade e aos direitos humanos. Pedem a procedência da ação para o fim de ser o réu condenado ao pagamento de indenização por danos morais. Veio a inicial instruída com os documentos de fls. 29/132, entre eles cópias de depoimentos testemunhais, decisões judiciais e notícias jornalísticas. Em contestação (fls. 141/159), invoca o requerido preliminares de falta de pressuposto processual, incompetência absoluta, ilegitimidade passiva, falta de interesse de agir e impossibilidade jurídica do pedido. No mérito, argumenta ter sido a pretensão atingida pela prescrição e nega participação nos atos descritos, que não encontram substrato no conte� �do do atestado de óbito do jornalista. Sustenta serem inverídicos os relatos feitos por presos políticos. Pugna pela improcedência do pedido e junta documentos. Seguiu-se manifestação das autoras (fls. 658/665) e, por decisão de fls. 670/671, afastadas as preliminares, foi deferida a produção de prova oral. Contra referida decisão tirou o réu agravo de instrumento (fls. 686/699), pendente de julgamento. Consistiu a instrução da inquirição de sete testemunhas (fls. 756 e 789/848, 961). Encerrada referida fase processual, apresentaram as partes alegações finais, sob a forma de memoriais. É o relatório. Fundamento e DECIDO. I. É objetivo das autoras condenação ao pagamento de indenização por danos morais decorrentes dos atos por ele praticados com excesso e abuso de poder, na qualidade de membro do Exército, comandante do DOI-CODI e da operação OBAN, consistentes em comandar tortura e, por vezes, dela participar diretamente, da qual resultou a morte de Luiz Eduardo da Rocha Merlino, que foi, respectivamente, companheiro e irmão delas. Resiste o réu a dita pretensão, forte quanto a estar prescrita a pretensão, de resto não praticados os atos que lhe são imputados. II. Superado, por decisão saneadora, o enfrentamento das questões processuais, oportuno mencionar que o litígio em análise não sofre ingerência da anistia contemplada na Lei nº 6.683/79, de âmbito exclusivamente penal, como de resto reconheceu o Supremo Tribunal Federal ao apreciar a reclamação arguida pelo requerido por suposta violação à decisão da Corte no ADPF 153, em razão de decisão proferida nestes autos: “não há identidade entre o caso apresentado e o decidido por esta Casa de Justiça do julgamento da APDF 153” no sentido da “integração da anistia da Lei de 1979 na nova ordem constitucional. Lei de anistia, contudo, que não trata da responsabilidade civil pelos atos praticados no chamado ‘período de exceção’. E � � certo que a anistia como causa de extinção da punibilidade e focada categoria de direito penal não implica a imediata exclusão do ilícito civil e sua consequente repercussão indenizatória.” (fls. 930/931). Não é de olvidar, porém, que até mesmo a anistia assim referendada pela Corte Suprema não está infensa a discussões, tendo em conta subsequente julgamento proferido pela Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), em que o Brasil foi condenado pelo desaparecimento de militantes na guerrilha do Araguaia, enquadrados os fatos como crimes contra a humanidade e declarados imprescritíveis. No ponto, ostenta especial relevância considerar que a atual configuração inter-relacionada dos diversos países, integrantes de organizações internacionais voltadas para fins políticos, econômicos e sociais, e a intensa movimentação de pessoas entre as várias nações, faz com que a regulamentação acerca do respeito a os direitos humanos e das consequências dos atos praticados afronta deles transcenda largamente a posição soberana dos Estados para se basear, isto sim, em cada pessoa, como titular de direitos essenciais, independentemente da nacionalidade e do local em que esteja. Daí a relevância dos tratados internacionais acerca de direitos humanos, vez que como direitos essenciais não podem sofrer injunções ou considerações locais, com base no poder constituinte, quer originário, quer derivado. Como ensina Márcio Sotelo Felipe (www.viomundo.com.br), “além do fenômeno da convencionalidade sustentado pelo princípio da ‘pacta sunt servanda’, há normas de Direito Internacional que têm a característica da cogência. Após Nuremberg se reconhece que normas do Direito Internacional dos Direitos Humanos são cogentes. Derivadas dos costumes e de outras fontes formais do Direito, independem, para sua eficácia, da vontade dos sujeitos envolvidos numa relação jurídica. A racionalidade disto é clara. Trata-se de um imperativo moral transformado em axioma jurídico: como poderia a proteção da vida e dos direitos básicos da pessoa humana depender de um ato de vontade, em qualquer plano do fenômeno jurídico?” (...) “A ideia de que somente normas positivadas por meio de determinados procedimentos formais constituem o Direito independentemente de juízo de valor deve ser considerada hoje uma etapa primitiva do desenvolvimento do fenômeno jurídico. Isto porque a dignidade da pessoa humana deixou de ser postulado filosófico para tornar-se axioma jurídico. Está na raiz dos instrumentos internacionais de defesa dos Direitos Humanos que se seguiram à barbárie nazista: a Declaração Universal de 1948, o Pacto de Direitos Civis e Políticos, a Declaração de Direitos Econômicos e Sociais, a Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e contra a Humanidade, de 1968, Convenção contra a Tortura, etc.” Desde 1992, o Brasil ratificou a Convenção Internacional de Direitos Humanos e, em 1998, reconheceu a competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos para o trato do tema. Em recente julgamento, referida Corte reconheceu a invalidade da Lei da Anistia porque “afetou o dever internacional do Estado de investigar e punir as graves violações de direitos humanos, ao impedir que os familiares das vítimas no presente caso fossem ouvidos por um juiz, conforme estabelece o artigo 8.1 da Convenção Americana, e violou o direito à proteção judicial consagrado no artigo 25 do mesmo instrumento, precisamente pela falta de investigação, persecução, captura, julgamento e punição dos responsáveis pelos fatos, descumprindo também o art. 1.1 da Convenção.” Estes os termos em que há muito, sob a ótica dos direitos humanos, está proclamada a imprescritibilidade dos crimes contra os direitos de personalidade e de suas consequências, vez que devem ser tratados sem conside ração a fronteiras e soberania nacionais. É farta a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no reconhecimento da imprescritibilidade da ação de reparação de danos morais decorrentes de ofensas a direitos humanos, inclusive aquelas praticadas durante o regime militar. Eis os exemplos: “Agravo Regimental no Agravo de Instrumento. Processual civil. Administrativo. Ação de reparação de danos morais. Prisão ilegal e tortura durante o período militar. Prescrição quinquenal prevista no art. 1º do Decreto 20.910/32. Não ocorrência. Imprescritibilidade de pretensão indenizatória decorrente de violação de direitos humanos fundamentais durante o período da ditadura militar. Recurso incapaz de infirmar os fundamentos da decisão agravada. Agravo desprovido. 1. São imprescritíveis as ações de reparação de dano ajuizadas em decorrência de perseguição, tortura e prisão, por motivos políticos, durante o Regime Militar, afastando, por conseguinte, a prescrição quinquenal prevista no artigo 1º do Decreto 20.910/32. Isso porque as referidas ações referem-se a período em que a ordem jurídica foi desconsiderada, com legislação de exceção, havendo, sem dúvida, incontáveis abusos e violações de direitos fundamentais, mormente do direito à dignidade da pessoa humana. 2. Não há falar em prescrição da pretensão de se implementar um dos pilares da República, máxime porque a Constituição não estipulou lapso prescricional ao direito de agir, correspondente ao direito inalienável à dignidade. (REsp. 816.209/RJ, 1ª Turma, rel. Min. Luiz Fux, DJ, 3/9/2007). 3. No que diz respeito à prescrição, já pontuou esta Corte que a prescrição quinquenal prevista no art. 1º do Decreto-lei 20.910/32 não se aplica aos danos morais decorrentes de violação de direitos da personalidade, que são imprescritíveis, máxime quando se fala da época do Regime Militar, quando os jurisdicionais não podiam buscar a contento as suas pretensões. (REsp. 1.002.009/PE, 2ª Turma, rel. Min. Humberto Martins, DJ 21/2/2008). 4. Agravo regimental desprovido.” (STJ, AgRg no Ag 970753/MG, 1ª Turma, rel. Min. Denise Arruda, DEJ 12/11/2008). “Agravo regimental. Administrativo. Responsabilidade civil do Estado. Danos morais. Tortura. Regime militar. Imprescritibilidade. 1. A Segunda Turma desta Corte Superior, em recente julgamento, ratificou seu posicionamento no sentido da imprescritibilidade dos danos morais advindos de tortura no regime militar, motivo pelo qual a jurisprudência neste órgão fracionário considera-se pacífica. Não-ocorrência de violação ao art. 557 do CPC. Via inadequada para fazer valer suposta divergência entre as Turmas que compõem a Primeira Seção. (...) 5. Agravo regimental não-provido.” (STJ, AgRg no REsp 970697/MG, 2ª Turma, rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJE 5/11/2008). Cai como luva ao caso em análise o trecho do acórdão de que foi relatora a Ministra Eliana Calmon (REsp. 602.237): “Sob a égide da Constituição de 88, inaugurou-se no Brasil uma nova visão do fenômeno jurídica dando-se primazia aos princípios constitucionais, de forma a estar o magistrado autorizado a afastar a lei ordinária, se esta colidir com algum princípio da Lei Maior. Como a Carta da República tem como um dos seus princípios fundamentais a preservação da dignidade da pessoa humana, tem-se sustentado a imprescritibilidade do direito à recomposição material ou moral, quando a lesão é causada por ato político, o qual deixa a vítima inteiramente à mercê do Estado. Daí o reconhecimento da imprescritibilidade da ação de indenização dos que sofreram tortura ou outro dano qualquer por ato praticado durante o governo revolucionário de 1964, diante da fragilidade da vítima para se insurgir contra o Estado.” (...) “Não interfere na análise o fato de figurar no polo passivo o agente estatal, porque não há fundament o jurídico, doutrinário ou jurisprudencial, que autorize traçar, no tema discutido, uma linha divisória entre a ação condenatória ou declaratória proposta contra o Estado e a ação condenatória ou declaratória ajuizada contra seu agente.” (sem destaque no original). III. A prova oral deu integral respaldo ao relato feito constante da inicial. Narraram as testemunhas a dinâmica dos eventos, a elevada brutalidade dos espancamentos a que foi submetido o companheiro e irmão das autoras, que o levaram a morte, ora sob comando, ora sob atuação direta do requerido, na qualidade de comandante do DOI-CODI e da operação OBAN, vinculadas a manutenção e proteção do regime militar. Narrou a testemunha Laurindo Martins Junqueira Filho que: “Ustra era o Comandante da unidade e assistiu minha tortura, assistiu a tortura do meu companheiro que estava comigo. Ele não viu o Luiz Eduardo sendo torturado, mas ele era o Comandante da unidade de tortura e orientava essa t ortura pessoalmente.” (...) “Após o contato com o Luiz Eduardo, eu recebi informações de um soldado do exército, que prestava serviço na Unidade da OBAN, de que o Luiz Eduardo tinha morrido, tinha sido torturado durante a noite. E esse soldado, de suposto nome Washington, de cor negra, veio até mim e falou que o Luiz Eduardo tinha morrido de gangrena nas pernas; tinha sido conduzido para um passeio – foi a expressão que ele usou – na madrugada, e que tinha sido várias vezes atropelado por um caminhão que prestava serviços para a unidade da OBAN. Isso teria se repetido tantas vezes que os órgãos dele tinham sido decepados pelo caminhão.” (fl. 802). A testemunha Leane Ferreira de Almeida, por sua vez, relatou que: “ouvi os gritos do Luiz Eduardo durante três dias, durante o período que as equipes comandadas pelo Major Ustra o torturaram.” Noticia também que, embora não tenha presenciado o momento da tortura de Luiz Eduardo, o requerido estava no local dos fatos. “Estava o Ustra. A coisa principal que ele estava fazendo naquele dia era torturar as pessoas que poderiam levar a uma pessoa que ele procurava muito fortemente; (...) Ele gritava esse nome pessoalmente enquanto ele era torturado no Pau-de-Arara. Parece um código, mas era o nome de um militante. O objetivo dele era chegar aos militantes. Quando eu não tive essa informação para dar, o Luiz Eduardo foi preso e passou a ser torturado na mesma sequência e sala que eu, durante três dias consecutivos. Todos os presos escutavam os gritos dele incessantemente, até sua retirada da Operação Bandeirantes, desacordado e colocado no porta-malas de uma carro. Isso foi visto por mim, no pátio do Presídio Bandeirantes, comandado pelo Major Ustra; colocado no porta-malas de um carro por quatro outros policiais da mesma equipe. Foi colocado no porta-malas do carro, desacordado. Parecia até que já morto.” (808). Coincidem os relatos da testemunha Paulo de Tars o Vanucchi: “Retornei ao DOI-CODI da Rua Tutóia no mês de julho. (...) respondi relatórios curtos e conheci o Merlino, que foi trazido para a porta da minha cela, no xadrez três (...) onde foi a massagem, deitado numa escrivaninha, que um enfermeiro – conhecido como Boliviano – fez durante uma hora na minha frente. Pude conversar com o Merlino, eu era estudante de medicina e notei que ele tinha numa das pernas a cor da cianose, que é um sintoma de isquemia, risco de gangrena. E nos dias seguintes pergunte para carcereiros, sobretudo para um policial de nome Gabriel – negro, atencioso – o que tinha acontecido com aquele moço e ele respondeu que ele tinha sido levado para o hospital. Nos dias seguintes vi essa versão repetida e tinha contato com o Major Tibiriçá, cheguei a perguntar sobre isso e ele nada respondeu. E nesse sentido eu tenho a dizer que o Major Ustra era o comandante que determinava tudo o que podia, o que devia ser feito e o que não tinha.�� � (fl. 818). É de Joel Rufino dos Santos o seguinte relato: “Pela versão que meu esse torturador, ele (Ustra) estava presente e comandou a tortura sobre o Merlino. E decidiu ao final se amputava ou não a perna do Merlino. A versão que recebi foi essa, que o Merlino, depois de muito torturado, foi levado ao hospital e de lá telefonaram, se comunicaram com o Comandante pra saber o que fazer. Ele disse para deixar morrer.” (fl.844). As testemunhas arroladas pelo requerido, por sua vez, nada souberam informar especificamente acerca dos fatos, porque nada presenciaram, uma delas só o conheceu depois da aposentadoria. IV. Evidentes os excessos cometidos pelo requerido, diante dos depoimentos no sentido de que, na maior parte das vezes, o requerido participava das sessões de tortura e, inclusive, dirigia e calibrava intensidade e duração dos golpes e as várias opções de instrumentos utilizados. Mesmo que assim não fosse, na qualidade de comandante daquela unidade m ilitar, não é minimamente crível que o requerido não conhecesse a dinâmica do trabalho e a brutalidade do tratamento dispensados aos presos políticos. É o quanto basta para reconhecer a culpa do requerido pelos sofrimentos infligidos a Luiz Eduardo e pela morte dele que se seguiu, segundo consta, por opção do próprio demandado, fatos em razão dos quais, por via reflexa, experimentaram as autoras expressivos danos morais. Oportuno mencionar que, a par de tipificada como crime, a tortura é vedada pela Declaração Universal dos Direitos Humanos e constitui indevida afronta à incolumidade daquele que está sob a responsabilidade do Estado e do agente público no exercício do comando. Nem mesmo o eventual cumprimento de ordem de superior hierárquico poderia afastar a culpa do requerido, porque se trataria de ordem absolutamente ilegal, que, por isso mesmo, não poderia ser acatada, sem delinear culpa própria. Permito-me transcrever recente julgado do Tribunal Reg ional Federal acerca do mesmo tema: “Indenização por danos morais. Prisão. Tortura e morte do pai e marido das autoras. Regime militar. Alegada prescrição. Inocorrência. Lei n. 9.140/95. Reconhecimento oficial do falecimento pela comissão especial de desaparecidos políticos. Dever de indenizar. 1. Não há que se falar em ausência de interesse de agir dado o fato de que a reparação especial prevista na Lei 9.140/95, não impede que o interessado busque indenização sob outro fundamento jurídico. 2. Também deve ser afastada a alegação de prescrição da ação, visto que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consolidou-se no sentido da imprescritibilidade da ação para reparação por danos morais decorrentes de ofensa aos direitos humanos, incluindo aqueles perpetrados durante o ciclo do Regime Militar. 3. A documentação nos autos comprova que o falecido, em razão de sua militância política, foi perseguido, preso e torturado, o que result ou em seu óbito. 4. A morte do pai e marido das autoras em decorrência das torturas que lhe foram infligidas quando esteve preso no conhecido e temido DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), no mês de abril de 1970, foi reconhecida pela Comissão Especial instituída pelo artigo 4º da Lei 9.140/95. 5. A morte prematura do marido e pai privou as autoras de uma vida em comum com alguém intelectualmente privilegiado, além de certamente ter reflexos financeiros na vida de ambas a justificar a condenação da União a lhes pagar indenização por danos morais. 6. Considerando o princípio da razoabilidade e tendo como parâmetro decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça (REsp 41614/SP, rel. Min. Aldir Passarinho, 4ª Turma, j. 21/10/1999), entendo razoáveis os valores fixados na sentença de primeiro grau a título de danos morais. (...)” (TRF 3ª Região, 3ª Turma, rel. DEs. Rubens Calixto, j. 1/3/2012). V. A ilicitude no comportamento do réu teve o condão de causar ofensa a bem juridicamente tutelado das autoras, de caráter extrapatrimonial. Trata-se de dano reflexo, vez que conduta ilícita se dirigiu a ente próximo e muito querido delas, integrante do círculo familiar de relacionamento mais relevante. A brutal violência com que o requerido pautou sua conduta fez ainda mais gravoso o resultado final morte, dada a crueldade que, impingida a ente querido, acabou por atingir a esfera de dignidade das próprias autoras. A morte prematura por motivo político e com requintes de crueldade privou as autoras do convívio com seu companheiro e irmão, respectivamente. Por certo, a indenização almejada não será capaz de sanar a dor suportada pelas autoras, nem suprir-lhes a ausência do ente querido. Destina-se a minorar o intenso sofrimento. Muito se assemelham em seus objetivos a indenização aqui almejada e o trabalho da Comissão da Verdade, cujos integrantes foram recentemente empossados pela União. Como escr eveu Flávia Piovesan em recente artigo publicado no jornal “O Estado de São Paulo”, edição de 6/5/2012: “Para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, ‘toda sociedade tem o direito irrenunciável de conhecer a verdade do ocorrido, assim como as razões e circunstâncias em que aberrantes delitos foram cometidos, a fim de evitar que esses atos voltem a ocorrer no futuro’. O direito à verdade apresenta uma dupla dimensão: individual e coletiva. Individual ao conferir aos familiares de vítimas de graves violações o direito à informação sobre o ocorrido, permitindo-lhes o direito a honrar seus entes queridos, celebrando o direito ao luto. Coletivo, ao assegurar à sociedade em geral o direito à construção da memória e identidade coletivas, cumprindo um papel preventivo, ao confiar às gerações futuras a responsabilidade de prevenir a ocorrência de tais práticas. Como sustenta um parlamentar chileno: ‘A consciência moral de uma nação dema nda a verdade porque apenas com base na verdade é possível satisfazer demandas essenciais de justiça e criar condições necessárias para alcançar a efetiva reconciliação nacional’.” Com tais parâmetros, fixo a indenização devida pelo requerido às autoras no valor de R$ 50.000,00 para cada uma. VI. Por todo o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido e condeno o requerido a pagar a cada uma das autoras indenização por danos morais no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), válido para esta data, a ser acrescido, até final pagamento de correção monetária computada segundo os critérios fixados pelo Tribunal de Justiça deste estado para atualização de débitos judiciais. Juros de mora incidirão desde o evento danoso, nos moldes da súmula 54 do STJ, sendo de 0,5% ao mês até 10/01/2003 e de 1% ao mês a partir de 11/1/2003. Arcará o requerido com o pagamento de custas e despesas processuais, bem como de honorários advocatícios que fixo em 10% do val or da condenação. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. São Paulo, 25 de junho de 2012. CLAUDIA DE LIMA MENGE Juíza de Direito
terça-feira, 26 de junho de 2012
Arquivos sobre a "Casa da Morte" somem em Petrópolis
Boletins de ocorrência envolvendo mortes violentas entre 1973 e 1978, nos quais poderiam constar informações sobre militantes políticos que passaram pela Casa da Morte de Petrópolis — aparelho clandestino montado pelo Centro de Informações do Exército (CIE) — desapareceram dos arquivos da extinta 67ª DP (Centro de Petrópolis).
Os livros do Instituto Médico-Legal (IML) do município, com registros de óbitos e enterros nos cemitérios do Centro e do distrito de Itaipava entre 1970 e 1974, tiveram o mesmo destino.
A falta de documentação nos arquivos da 67ª DP foi identificada por uma equipe de pesquisadores da Comissão Especial Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, que promoveu uma inspeção recente no material. O grupo também constatou escassez de documentos sobre mortes violentas referentes ao período de 1970 a 1972, e aos anos de 1979 e 1980.
O pouco que sobrou do acervo da 67ª DP foi entregue ao Museu Imperial e está reunido em 80 caixas de documentos, parte proveniente do Serviço Nacional de Informações (SNI) e com dados sobre militantes políticos. Há ainda boletins de fichamentos de suspeitos de crimes contra a segurança nacional e um livro com relação de nomes de comunistas. Segundo pesquisadores da comissão, há vestígios de queima de documentos.
Polícia saberia de aparelho clandestino
O relatório produzido pelos pesquisadores da Secretaria Nacional de Direitos Humanos ainda aponta uma possível ligação entre ramificações da estrutura policial da época com aparelhos de repressão existentes em Petrópolis e em outros municípios fluminenses. Um organograma montado pela equipe mostra uma suposta rede de comunicação entre a 11ª Região Policial (com sede na época em Petrópolis), os departamentos autônomos de Ordem Política e Social (Dops) do Estado do Rio e da Guanabara, as delegacias de Petrópolis, Teresópolis e Niterói, e unidades das Forças Armadas.
De acordo com o levantamento dos pesquisadores, há, entre a documentação da 67ª DP, uma solicitação de certidão de ocorrência de laudos de necropsia e fotografia do local da perícia por parte do Quartel General da 3ª Zona Aérea. O pedido é feito por meio de um bilhete com o nome do major Sylvio Monteiro, que era lotado nesse quartel. Há relatos de torturas de presos políticos no QG da 3 Zona Aérea, junto ao Aeroporto Santos Dumont, segundo os pesquisadores. Também estão no acervo referências ao antigo 1º Batalhão de Caçadores, atual 32º Batalhão de Infantaria Motorizada (Batalhão D. Pedro II), em Petrópolis.
A suposta ligação entre a estrutura policial e o aparelho de repressão montado em Petrópolis vai ao encontro do depoimento da ex-militante da VAR-Palmares e VPR Inês Etienne Romeu — que teria sido a única sobrevivente da Casa da Morte —, encaminhado à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em 1979, em que ela cita um comissário de polícia de Petrópolis que atendia por Laurindo. Etienne revelou que, do aparelho da repressão, telefonavam para uma delegacia perguntando por Luís ou Luizinho, posteriormente identificado como o comissário da Polícia Federal Luís Cláudio Azeredo Viana, citado como um dos agentes da repressão que atuaram na Serra.
Vítimas enterradas com nomes falsos
Já o sumiço de livros do IML com registros de óbitos e enterros em dois cemitérios de Petrópolis foi apontado pelo Ministério Público Federal (MPF), que há dois anos abriu inquérito para investigar sepultamentos ocorridos no município entre 1970 e 1975. Com base em denúncias feitas pelo Grupo Tortura Nunca Mais, o MPF apura se pelo menos 22 mortos em situação de violência na cidade estariam ligados à Casa da Morte, e se eles constariam da lista de desaparecidos políticos.
Entre os casos violentos denunciados pelo Tortura Nunca Mais estariam mortes por hemorragia interna, omissão de socorro e traumatismos, causas características de torturas praticadas em aparelhos de repressão. As informações sobre os corpos e a causa das mortes são confrontadas pelo MPF com relatos sobre militantes políticos desaparecidos e supostamente torturados após passagem pela Casa da Morte.
As vítimas da Casa da Morte teriam sido enterradas como indigentes ou identificadas com nomes falsos nos cemitérios do Centro e de Itaipava. Há ainda a hipótese de sepultamentos em cemitérios da zona rural de Petrópolis nos bairros de Rio Bonito, Brejal e Vale das Videiras.
Para localizar o paradeiro dos livros de sepultamentos do IML do município, a Procuradoria da República abriu procedimento investigatório e solicitou informações ao IML da capital e aos arquivos Nacional e Público do Estado do Rio.
A prefeitura de Petrópolis disponibilizou uma relação dos nomes de pessoas enterradas na década de 1970 no primeiro e segundo distritos. O material está microfilmado e guardado no acervo do Arquivo Público Municipal. No entanto, faltam dados sobre o motivo das mortes. A lista, por estar em ordem alfabética, dificulta a identificação do ano do enterro. Livros do município com registros dos sepultamentos, que funcionariam como cópias do arquivo do IML, foram destruídos. Somente foram preservadas as listagens de enterros ocorridos até 1969.
Desde domingo, o jornal O Globo tem revelado como funcionava o aparelho clandestino da repressão montado pelo CIE em Petrópolis, a partir de relatos do tenente-coronel reformado do Exército Paulo Malhães, de 74 anos, o “doutor Pablo”. Malhães também relatou que cinco filhotes de jacaré e uma jiboia, capturados no Rio Araguaia, chegaram a ser usados para torturar presos políticos no Pelotão de Investigações Criminais, na Tijuca.
Procurado, o Comando do Exército disse apenas que as declarações de Malhães são de responsabilidade dele.
Fonte: Jornal O Globo
Boletins de ocorrência envolvendo mortes violentas entre 1973 e 1978, nos quais poderiam constar informações sobre militantes políticos que passaram pela Casa da Morte de Petrópolis — aparelho clandestino montado pelo Centro de Informações do Exército (CIE) — desapareceram dos arquivos da extinta 67ª DP (Centro de Petrópolis).
Os livros do Instituto Médico-Legal (IML) do município, com registros de óbitos e enterros nos cemitérios do Centro e do distrito de Itaipava entre 1970 e 1974, tiveram o mesmo destino.
A falta de documentação nos arquivos da 67ª DP foi identificada por uma equipe de pesquisadores da Comissão Especial Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, que promoveu uma inspeção recente no material. O grupo também constatou escassez de documentos sobre mortes violentas referentes ao período de 1970 a 1972, e aos anos de 1979 e 1980.
O pouco que sobrou do acervo da 67ª DP foi entregue ao Museu Imperial e está reunido em 80 caixas de documentos, parte proveniente do Serviço Nacional de Informações (SNI) e com dados sobre militantes políticos. Há ainda boletins de fichamentos de suspeitos de crimes contra a segurança nacional e um livro com relação de nomes de comunistas. Segundo pesquisadores da comissão, há vestígios de queima de documentos.
Polícia saberia de aparelho clandestino
O relatório produzido pelos pesquisadores da Secretaria Nacional de Direitos Humanos ainda aponta uma possível ligação entre ramificações da estrutura policial da época com aparelhos de repressão existentes em Petrópolis e em outros municípios fluminenses. Um organograma montado pela equipe mostra uma suposta rede de comunicação entre a 11ª Região Policial (com sede na época em Petrópolis), os departamentos autônomos de Ordem Política e Social (Dops) do Estado do Rio e da Guanabara, as delegacias de Petrópolis, Teresópolis e Niterói, e unidades das Forças Armadas.
De acordo com o levantamento dos pesquisadores, há, entre a documentação da 67ª DP, uma solicitação de certidão de ocorrência de laudos de necropsia e fotografia do local da perícia por parte do Quartel General da 3ª Zona Aérea. O pedido é feito por meio de um bilhete com o nome do major Sylvio Monteiro, que era lotado nesse quartel. Há relatos de torturas de presos políticos no QG da 3 Zona Aérea, junto ao Aeroporto Santos Dumont, segundo os pesquisadores. Também estão no acervo referências ao antigo 1º Batalhão de Caçadores, atual 32º Batalhão de Infantaria Motorizada (Batalhão D. Pedro II), em Petrópolis.
A suposta ligação entre a estrutura policial e o aparelho de repressão montado em Petrópolis vai ao encontro do depoimento da ex-militante da VAR-Palmares e VPR Inês Etienne Romeu — que teria sido a única sobrevivente da Casa da Morte —, encaminhado à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em 1979, em que ela cita um comissário de polícia de Petrópolis que atendia por Laurindo. Etienne revelou que, do aparelho da repressão, telefonavam para uma delegacia perguntando por Luís ou Luizinho, posteriormente identificado como o comissário da Polícia Federal Luís Cláudio Azeredo Viana, citado como um dos agentes da repressão que atuaram na Serra.
Vítimas enterradas com nomes falsos
Já o sumiço de livros do IML com registros de óbitos e enterros em dois cemitérios de Petrópolis foi apontado pelo Ministério Público Federal (MPF), que há dois anos abriu inquérito para investigar sepultamentos ocorridos no município entre 1970 e 1975. Com base em denúncias feitas pelo Grupo Tortura Nunca Mais, o MPF apura se pelo menos 22 mortos em situação de violência na cidade estariam ligados à Casa da Morte, e se eles constariam da lista de desaparecidos políticos.
Entre os casos violentos denunciados pelo Tortura Nunca Mais estariam mortes por hemorragia interna, omissão de socorro e traumatismos, causas características de torturas praticadas em aparelhos de repressão. As informações sobre os corpos e a causa das mortes são confrontadas pelo MPF com relatos sobre militantes políticos desaparecidos e supostamente torturados após passagem pela Casa da Morte.
As vítimas da Casa da Morte teriam sido enterradas como indigentes ou identificadas com nomes falsos nos cemitérios do Centro e de Itaipava. Há ainda a hipótese de sepultamentos em cemitérios da zona rural de Petrópolis nos bairros de Rio Bonito, Brejal e Vale das Videiras.
Para localizar o paradeiro dos livros de sepultamentos do IML do município, a Procuradoria da República abriu procedimento investigatório e solicitou informações ao IML da capital e aos arquivos Nacional e Público do Estado do Rio.
A prefeitura de Petrópolis disponibilizou uma relação dos nomes de pessoas enterradas na década de 1970 no primeiro e segundo distritos. O material está microfilmado e guardado no acervo do Arquivo Público Municipal. No entanto, faltam dados sobre o motivo das mortes. A lista, por estar em ordem alfabética, dificulta a identificação do ano do enterro. Livros do município com registros dos sepultamentos, que funcionariam como cópias do arquivo do IML, foram destruídos. Somente foram preservadas as listagens de enterros ocorridos até 1969.
Desde domingo, o jornal O Globo tem revelado como funcionava o aparelho clandestino da repressão montado pelo CIE em Petrópolis, a partir de relatos do tenente-coronel reformado do Exército Paulo Malhães, de 74 anos, o “doutor Pablo”. Malhães também relatou que cinco filhotes de jacaré e uma jiboia, capturados no Rio Araguaia, chegaram a ser usados para torturar presos políticos no Pelotão de Investigações Criminais, na Tijuca.
Procurado, o Comando do Exército disse apenas que as declarações de Malhães são de responsabilidade dele.
Fonte: Jornal O Globo
Dia Internacional de Apoio às Vítimas da Tortura - 26 de junho de 2009
Ban Ki-moon, Secretário-Geral das Nações Unidas
Apesar do impressionante quadro jurídico e institucional estabelecido para impedir a tortura, ela continua sendo uma prática amplamente tolerada e até utilizada pelos governos, e a impunidade dos seus perpetradores persiste. O Dia Internacional de Apoio às Vítimas da Tortura é uma ocasião para reafirmar o direito de todos, homens e mulheres, a viverem em liberdade e sem medo da tortura. Não existe justificativa para a tortura ou qualquer outro tratamento ou pena cruel, desumano e degradante em qualquer sociedade, a qualquer tempo, sejam quais forem as circunstâncias.
Apelo a todos os Estados-Membros das Nações Unidas que ainda não o fizeram que ratifiquem e apliquem de boa fé a Convenção contra a Tortura e as disposições do seu Protocolo Facultativo. Apelo também a todos os Estados-Membros, que convidem o Relator Especial sobre a Tortura a visitar os locais do seu território onde se encontram pessoas privadas de liberdade e assegurem sua cooperação de forma a permitir um acesso livre e total.
Este Dia é também uma oportunidade para expressar a solidariedade com as vítimas de tortura e as suas famílias, assim como para reiterar a necessidade de todos os governos assumirem o compromisso de assegurar uma reparação e a reabilitação de todas as vítimas desses maus-tratos. O Fundo de Contribuições Voluntárias das Nações Unidas para as Vítimas de Tortura apoia as organizações que prestam assistência às vítimas de tortura e suas famílias. Agradeço a todos os doadores do Fundo e encorajo-os a continuarem apoiando seu importante trabalho.
Neste Dia Internacional de Apoio às Vítimas da Tortura, reafirmemos os direitos inalienáveis e a dignidade de todos os homens e mulheres. Intensifiquemos a luta contra a tortura e outros tratamentos e penas cruéis, desumanos e degradantes, onde quer que ocorram.
Ban Ki-moon, Secretário-Geral das Nações Unidas
Apesar do impressionante quadro jurídico e institucional estabelecido para impedir a tortura, ela continua sendo uma prática amplamente tolerada e até utilizada pelos governos, e a impunidade dos seus perpetradores persiste. O Dia Internacional de Apoio às Vítimas da Tortura é uma ocasião para reafirmar o direito de todos, homens e mulheres, a viverem em liberdade e sem medo da tortura. Não existe justificativa para a tortura ou qualquer outro tratamento ou pena cruel, desumano e degradante em qualquer sociedade, a qualquer tempo, sejam quais forem as circunstâncias.
Apelo a todos os Estados-Membros das Nações Unidas que ainda não o fizeram que ratifiquem e apliquem de boa fé a Convenção contra a Tortura e as disposições do seu Protocolo Facultativo. Apelo também a todos os Estados-Membros, que convidem o Relator Especial sobre a Tortura a visitar os locais do seu território onde se encontram pessoas privadas de liberdade e assegurem sua cooperação de forma a permitir um acesso livre e total.
Este Dia é também uma oportunidade para expressar a solidariedade com as vítimas de tortura e as suas famílias, assim como para reiterar a necessidade de todos os governos assumirem o compromisso de assegurar uma reparação e a reabilitação de todas as vítimas desses maus-tratos. O Fundo de Contribuições Voluntárias das Nações Unidas para as Vítimas de Tortura apoia as organizações que prestam assistência às vítimas de tortura e suas famílias. Agradeço a todos os doadores do Fundo e encorajo-os a continuarem apoiando seu importante trabalho.
Neste Dia Internacional de Apoio às Vítimas da Tortura, reafirmemos os direitos inalienáveis e a dignidade de todos os homens e mulheres. Intensifiquemos a luta contra a tortura e outros tratamentos e penas cruéis, desumanos e degradantes, onde quer que ocorram.
Coronel Ustra é condenado a indenizar família de jornalista torturado e morto nos anos 70
O coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra foi condenado a pagar R$ 100 mil de indenização por danos morais à família do jornalista de Luiz Eduardo da Rocha Merlino, morto em julho de 1971 na sede do DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna), na época comandado por Ustra.
O DOI-Codi foi o principal órgão centralizador de informações para a repressão à oposição política durante o regime militar e se transformou em local de prática de tortura, homicídios e desaparecimentos.
O livro “Direito à Memória e à Verdade”, publicado pelo governo brasileiro em 2007, relata 64 casos de mortes e desaparecimentos pelos agentes do DOI-Codi de São Paulo durante a gestão dos militares Ustra e Audir Santos Maciel.
A sentença da 20ª Vara Cível de São Paulo, registrada nesta segunda-feira (25), determina o pagamento de R$ 50 mil para a companheira do jornalista, Angela Maria Mendes de Almeida, e de mais R$ 50 mil para a irmã de Merlino, Regina Maria Merlino Dias de Almeida.
Merlino foi jornalista e membro do Partido Operário Comunista (POC) e da Quarta Internacional. Em 15 de julho de 1971, o jornalista foi preso e levado para a sede do DOI-Codi, no centro de São Paulo, onde foi torturado e morreu.
A família do jornalista recebeu a notícia da morte quatro dias depois e, na época, a versão oficial foi a de que ele teria se suicidado enquanto era levado para o Rio Grande do Sul para reconhecer colegas militantes de esquerda, se jogando à frente de um carro na rodovia.
Na sentença, a juíza diz que "pessoas que estiveram no DOI-Codi na mesma época trouxeram relato de que Luiz Eduardo fora espancado durante 24 horas seguidas no 'pau-de-arara' e, como consequência, passou a apresentar dores nas pernas, que, depois, se constatou ser sintoma de complicações circulatórias severas, que redundaram na morte dele por falta de atendimento médico adequado e excesso nos atos praticados pelo réu".
Procurado pela reportagem, o advogado do coronel informou que irá recorrer da decisão. "A decisão vai contra a legislação vigente e será objeto de recurso. No meu ver, [a decisão] vai contra a Lei da Anistia", disse o advogado de Ustra, Paulo Esteves.
A sentença que determinou a indenização, no entanto, diz respeito a uma ação cível, e a Lei da Anista é de âmbito exclusivamente penal, conforme reconheceu o STF (Supremo Tribunal Federal).
Torturador
A família de Merlino tenta há mais de 40 anos fazer com que Ustra seja acusado criminalmente e reconhecido como torturador e assassino do jornalista. Essa decisão da 20ª Vara Cível, no entanto, trata apenas da indenização por danos morais.
Em maio, a Justiça Federal rejeitou pedido para abrir ação penal contra Ustra pelo desaparecimento do sindicalista Aluízio Palhano em 1971. A decisão do juiz Márcio Rached Millani, da 10ª Vara Criminal de São Paulo, foi um revés na tentativa do Ministério Público Federal de enquadrar ex-agentes da ditadura por crime de sequestro.
O juiz afirmou que a denúncia contra Ustra e o delegado Dirceu Gravina, ainda na ativa na Polícia Civil de São Paulo, contraria decisão do STF de manter a validade da Lei da Anistia para acusados de torturar e matar presos políticos.
O coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra foi condenado a pagar R$ 100 mil de indenização por danos morais à família do jornalista de Luiz Eduardo da Rocha Merlino, morto em julho de 1971 na sede do DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna), na época comandado por Ustra.
O DOI-Codi foi o principal órgão centralizador de informações para a repressão à oposição política durante o regime militar e se transformou em local de prática de tortura, homicídios e desaparecimentos.
O livro “Direito à Memória e à Verdade”, publicado pelo governo brasileiro em 2007, relata 64 casos de mortes e desaparecimentos pelos agentes do DOI-Codi de São Paulo durante a gestão dos militares Ustra e Audir Santos Maciel.
A sentença da 20ª Vara Cível de São Paulo, registrada nesta segunda-feira (25), determina o pagamento de R$ 50 mil para a companheira do jornalista, Angela Maria Mendes de Almeida, e de mais R$ 50 mil para a irmã de Merlino, Regina Maria Merlino Dias de Almeida.
Merlino foi jornalista e membro do Partido Operário Comunista (POC) e da Quarta Internacional. Em 15 de julho de 1971, o jornalista foi preso e levado para a sede do DOI-Codi, no centro de São Paulo, onde foi torturado e morreu.
A família do jornalista recebeu a notícia da morte quatro dias depois e, na época, a versão oficial foi a de que ele teria se suicidado enquanto era levado para o Rio Grande do Sul para reconhecer colegas militantes de esquerda, se jogando à frente de um carro na rodovia.
Na sentença, a juíza diz que "pessoas que estiveram no DOI-Codi na mesma época trouxeram relato de que Luiz Eduardo fora espancado durante 24 horas seguidas no 'pau-de-arara' e, como consequência, passou a apresentar dores nas pernas, que, depois, se constatou ser sintoma de complicações circulatórias severas, que redundaram na morte dele por falta de atendimento médico adequado e excesso nos atos praticados pelo réu".
Procurado pela reportagem, o advogado do coronel informou que irá recorrer da decisão. "A decisão vai contra a legislação vigente e será objeto de recurso. No meu ver, [a decisão] vai contra a Lei da Anistia", disse o advogado de Ustra, Paulo Esteves.
A sentença que determinou a indenização, no entanto, diz respeito a uma ação cível, e a Lei da Anista é de âmbito exclusivamente penal, conforme reconheceu o STF (Supremo Tribunal Federal).
Torturador
A família de Merlino tenta há mais de 40 anos fazer com que Ustra seja acusado criminalmente e reconhecido como torturador e assassino do jornalista. Essa decisão da 20ª Vara Cível, no entanto, trata apenas da indenização por danos morais.
Em maio, a Justiça Federal rejeitou pedido para abrir ação penal contra Ustra pelo desaparecimento do sindicalista Aluízio Palhano em 1971. A decisão do juiz Márcio Rached Millani, da 10ª Vara Criminal de São Paulo, foi um revés na tentativa do Ministério Público Federal de enquadrar ex-agentes da ditadura por crime de sequestro.
O juiz afirmou que a denúncia contra Ustra e o delegado Dirceu Gravina, ainda na ativa na Polícia Civil de São Paulo, contraria decisão do STF de manter a validade da Lei da Anistia para acusados de torturar e matar presos políticos.
SEMINÁRIO INTERNACIONAL OPERAÇÃO CONDOR
Auditório Nereu Ramos - Câmara dos Deputados
4 e 5 de julho de 2012, Brasília – DF
PROGRAMA
Dia 4 - Quarta-feira
9h30 Ato de Abertura
Marco Maia, Presidente da Câmara dos Deputados
José Eduardo Martins Cardozo, Ministro da Justiça
Domingos Dutra, Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados
Luiza Erundina de Sousa, Presidente da Comissão Parlamentar Memória, Verdade e Justiça
Paulo Abrão Pires Júnior, Presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça
Carlos Roberto Siqueira de Barros, Presidente da Fundação João Mangabeira
Jair Krischke, Presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos
Ophir Filgueiras Cavalcante Junior, Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil
10h Mesa 1 - OPERAÇÃO CONDOR: PERSPECTIVA HISTÓRICA
Coordenador:
Domingos Dutra, deputado, Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados
Expositores:
Paulo Abrão Pires Júnior, Presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça
Carlos Roberto Siqueira de Barros, Presidente da Fundação João Mangabeira
Remo Gerardo Carlotto, deputado (Argentina)
Desiree Graciela Masi Jara, deputada (Paraguai)
Luis Puig, deputado (Uruguai)
Hugo Gutiérrez Gálvez, deputado (Chile)
Luiza Erundina de Sousa, deputada, Presidente da Comissão Parlamentar Memória, Verdade e Justiça
12h Intervalo para o almoço
14h Mesa 2 - OPERAÇÃO CONDOR: ARGENTINA
Coordenador:
Luiz Couto, deputado, membro da Comissão Parlamentar Memória, Verdade e Justiça
Expositores:
Stella Calloni, jornalista, pesquisadora e escritora (Argentina)
Daniel Rafecas, Juiz Federal (Argentina)
15h30 Mesa 3 - OPERAÇÃO CONDOR: PARAGUAI
Coordenador:
Chico Alencar, deputado, membro da Comissão Parlamentar Memória, Verdade e Justiça
Expositores:
Martin Almada, advogado e professor (Paraguai)
Alfredo Boccia Paz, médico, professor e escritor (Paraguai)
17h Intervalo para o café
17h30 Mesa 4 - OPERAÇÃO CONDOR: URUGUAI
Coordenador:
Arnaldo Jordy, deputado, membro da Comissão Parlamentar Memória, Verdade e Justiça
Expositores:
Roger Rodriguez, jornalista, professor e ativista de Direitos Humanos (Uruguai)
Samuel Blixen, jornalista, professor e escritor (Uruguai)
19h Encerramento dos trabalhos
Dia 5 – Quinta-feira
10h Mesa 5 - OPERAÇÃO CONDOR: CHILE
Coordenadora:
Luiza Erundina, deputada, Presidente da Comissão Parlamentar Memória, Verdade e Justiça
Expositores:
Monica Gonzalez, jornalista, professora e escritora
Michelle Bachelett, médica, Secretária-Geral Adjunta da ONU, Presidente da ONU Mulher, Ex-Presidente da República do Chile
12h Intervalo para o almoço
14h Mesa 6 - OPERAÇÃO CONDOR: BRASIL
Coordenadora:
Erika Kokay, deputada, membro da Comissão Parlamentar Memória, Verdade e Justiça
Expositores:
Luiz Cláudio Cunha, jornalista e escritor
Jair Krischke, Presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos
Nilson Mariano, jornalista, mestre em História e escritor
Sueli Aparecida Bellato, Comissão de Anistia do Ministério da Justiça
Antônio Campos, advogado
16h Intervalo
16h30 Mesa 7 - OPERAÇÃO CONDOR: EUA
Coordenador:
Egmar José de Oliveira, Comissão de Anistia do Ministério da Justiça.
Expositores:
J. Patrice McSherry, professora e diretora do Programa de Estudos sobre América Latina na Long Island University de Nova Iorque
Carlos Osorio, Arquivo de Segurança Nacional da George Washington University
18h30 Conclusões e encerramento dos trabalhos
Luiza Erundina de Sousa, deputada, Presidente da Comissão Parlamentar Memória, Verdade e Justiça.
Auditório Nereu Ramos - Câmara dos Deputados
4 e 5 de julho de 2012, Brasília – DF
PROGRAMA
Dia 4 - Quarta-feira
9h30 Ato de Abertura
Marco Maia, Presidente da Câmara dos Deputados
José Eduardo Martins Cardozo, Ministro da Justiça
Domingos Dutra, Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados
Luiza Erundina de Sousa, Presidente da Comissão Parlamentar Memória, Verdade e Justiça
Paulo Abrão Pires Júnior, Presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça
Carlos Roberto Siqueira de Barros, Presidente da Fundação João Mangabeira
Jair Krischke, Presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos
Ophir Filgueiras Cavalcante Junior, Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil
10h Mesa 1 - OPERAÇÃO CONDOR: PERSPECTIVA HISTÓRICA
Coordenador:
Domingos Dutra, deputado, Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados
Expositores:
Paulo Abrão Pires Júnior, Presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça
Carlos Roberto Siqueira de Barros, Presidente da Fundação João Mangabeira
Remo Gerardo Carlotto, deputado (Argentina)
Desiree Graciela Masi Jara, deputada (Paraguai)
Luis Puig, deputado (Uruguai)
Hugo Gutiérrez Gálvez, deputado (Chile)
Luiza Erundina de Sousa, deputada, Presidente da Comissão Parlamentar Memória, Verdade e Justiça
12h Intervalo para o almoço
14h Mesa 2 - OPERAÇÃO CONDOR: ARGENTINA
Coordenador:
Luiz Couto, deputado, membro da Comissão Parlamentar Memória, Verdade e Justiça
Expositores:
Stella Calloni, jornalista, pesquisadora e escritora (Argentina)
Daniel Rafecas, Juiz Federal (Argentina)
15h30 Mesa 3 - OPERAÇÃO CONDOR: PARAGUAI
Coordenador:
Chico Alencar, deputado, membro da Comissão Parlamentar Memória, Verdade e Justiça
Expositores:
Martin Almada, advogado e professor (Paraguai)
Alfredo Boccia Paz, médico, professor e escritor (Paraguai)
17h Intervalo para o café
17h30 Mesa 4 - OPERAÇÃO CONDOR: URUGUAI
Coordenador:
Arnaldo Jordy, deputado, membro da Comissão Parlamentar Memória, Verdade e Justiça
Expositores:
Roger Rodriguez, jornalista, professor e ativista de Direitos Humanos (Uruguai)
Samuel Blixen, jornalista, professor e escritor (Uruguai)
19h Encerramento dos trabalhos
Dia 5 – Quinta-feira
10h Mesa 5 - OPERAÇÃO CONDOR: CHILE
Coordenadora:
Luiza Erundina, deputada, Presidente da Comissão Parlamentar Memória, Verdade e Justiça
Expositores:
Monica Gonzalez, jornalista, professora e escritora
Michelle Bachelett, médica, Secretária-Geral Adjunta da ONU, Presidente da ONU Mulher, Ex-Presidente da República do Chile
12h Intervalo para o almoço
14h Mesa 6 - OPERAÇÃO CONDOR: BRASIL
Coordenadora:
Erika Kokay, deputada, membro da Comissão Parlamentar Memória, Verdade e Justiça
Expositores:
Luiz Cláudio Cunha, jornalista e escritor
Jair Krischke, Presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos
Nilson Mariano, jornalista, mestre em História e escritor
Sueli Aparecida Bellato, Comissão de Anistia do Ministério da Justiça
Antônio Campos, advogado
16h Intervalo
16h30 Mesa 7 - OPERAÇÃO CONDOR: EUA
Coordenador:
Egmar José de Oliveira, Comissão de Anistia do Ministério da Justiça.
Expositores:
J. Patrice McSherry, professora e diretora do Programa de Estudos sobre América Latina na Long Island University de Nova Iorque
Carlos Osorio, Arquivo de Segurança Nacional da George Washington University
18h30 Conclusões e encerramento dos trabalhos
Luiza Erundina de Sousa, deputada, Presidente da Comissão Parlamentar Memória, Verdade e Justiça.
Assunto: Convite para Seminário Internacional sobre a Operação Condor.
Prezadas Senhoras e Senhores,
Temos a satisfação de convidar Vossa Senhoria a participar do “Seminário Internacional sobre a Operação Condor”, nos dias 04 e 05 de julho de 2012, das 09 às 18 horas, no Auditório Nereu Ramos desta Câmara dos Deputados, promovido pela Comissão Parlamentar Memória, Verdade e Justiça; Comissão de Anístia do Ministério da Justiça; Fundação João Mangabeira e pelo Movimento de Justiça e Direitos Humanos.
A Operação Condor, nome pelo qual ficou conhecida a articulação entre as forças armadas dos países do Cone Sul, formado por Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai, com efetiva participação dos Estados Unidos da América, resultou na mais vasta e duradoura ação repressiva da história do continente, mobilizando secretamente militares e policiais desses sete países nos anos 1970, produzindo uma contabilidade macabra de violações de Direitos Humanos, inclusive a eliminação de vários opositores políticos dessas ditaduras.
O ‘Arquivo do Terror’ – quatro toneladas de papéis descoberto no Paraguai em 1992, com 60 mil documentos totalizando 593 mil páginas microfilmadas pela burocracia da repressão – preservou intactos diários, arquivos, fotos, fichas, relatórios, a correspondência e a rotina de terror e morte da ‘Operação Condor’. Esse arquivo permitiu cálculos cujo resultado é assustador: 50 mil mortos, 30 mil desaparecidos, 400 mil encarcerados. Segundo o Movimento de Justiça e Direitos Humanos (MJDH), de Porto Alegre, com base em investigações oficiais realizadas por comissões independentes sob governos civis após a volta da democracia, os números são mais modestos, mas ainda impressionam: 13.960 mortos e desaparecidos políticos no Cone Sul, no período de atuação da Operação Condor.
As ações no âmbito da Operação Condor caracterizaram-se pela violência sem limites – mediante as práticas do sequestro, centros clandestinos de detenção, torturas, execuções e desaparecimento forçado de opositores – tudo em afronta aos mais elementares direitos fundamentais. Agentes públicos dos países mencionados compartilhavam informações e técnicas repressivas e também cumpriam missões clandestinas de interesse dos vizinhos em seus respectivos territórios.
Neste momento em que amadurece no Brasil a discussão necessária para o resgate da verdade e da memória dos tempos do regime militar, é fundamental a realização de um seminário internacional para que especialistas no tema e autoridades legislativas tragam ao Parlamento Brasileiro informações que contribuam para a compreensão do papel da Operação Condor nas ditaduras que atingiram a América do Sul na segunda metade do Século 20, contribuindo assim para atingir os objetivos da Lei 12.528/2011, que criou a Comissão Nacional da Verdade, no âmbito do poder Executivo, bem como a decisão da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados que instaurou, no seu âmbito, a Comissão Parlamentar Memória, Verdade e Justiça.
A programação estará disponível no endereço eletrônico
www.camara.gov.br/cdh.
As inscrições podem ser feitas pelo email cdh@camara.gov.br ou no próprio local e data do evento.
Mais informações podem ser solicitadas pelo mesmo endereço eletrônico ou pelos telefones
55.61. 3216-6571 e (61)3216-6570 ou fax (61) 3216-6580.
Atenciosamente,
Deputada LUIZA ERUNDINA DE SOUZA
Coordenadora da Comissão Parlamentar Memória, Verdade e Justiça
Deputado DOMINGOS DUTRA
Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias
PAULO ABRÃO PIRES JÚNIOR
Presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça
Prezadas Senhoras e Senhores,
Temos a satisfação de convidar Vossa Senhoria a participar do “Seminário Internacional sobre a Operação Condor”, nos dias 04 e 05 de julho de 2012, das 09 às 18 horas, no Auditório Nereu Ramos desta Câmara dos Deputados, promovido pela Comissão Parlamentar Memória, Verdade e Justiça; Comissão de Anístia do Ministério da Justiça; Fundação João Mangabeira e pelo Movimento de Justiça e Direitos Humanos.
A Operação Condor, nome pelo qual ficou conhecida a articulação entre as forças armadas dos países do Cone Sul, formado por Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai, com efetiva participação dos Estados Unidos da América, resultou na mais vasta e duradoura ação repressiva da história do continente, mobilizando secretamente militares e policiais desses sete países nos anos 1970, produzindo uma contabilidade macabra de violações de Direitos Humanos, inclusive a eliminação de vários opositores políticos dessas ditaduras.
O ‘Arquivo do Terror’ – quatro toneladas de papéis descoberto no Paraguai em 1992, com 60 mil documentos totalizando 593 mil páginas microfilmadas pela burocracia da repressão – preservou intactos diários, arquivos, fotos, fichas, relatórios, a correspondência e a rotina de terror e morte da ‘Operação Condor’. Esse arquivo permitiu cálculos cujo resultado é assustador: 50 mil mortos, 30 mil desaparecidos, 400 mil encarcerados. Segundo o Movimento de Justiça e Direitos Humanos (MJDH), de Porto Alegre, com base em investigações oficiais realizadas por comissões independentes sob governos civis após a volta da democracia, os números são mais modestos, mas ainda impressionam: 13.960 mortos e desaparecidos políticos no Cone Sul, no período de atuação da Operação Condor.
As ações no âmbito da Operação Condor caracterizaram-se pela violência sem limites – mediante as práticas do sequestro, centros clandestinos de detenção, torturas, execuções e desaparecimento forçado de opositores – tudo em afronta aos mais elementares direitos fundamentais. Agentes públicos dos países mencionados compartilhavam informações e técnicas repressivas e também cumpriam missões clandestinas de interesse dos vizinhos em seus respectivos territórios.
Neste momento em que amadurece no Brasil a discussão necessária para o resgate da verdade e da memória dos tempos do regime militar, é fundamental a realização de um seminário internacional para que especialistas no tema e autoridades legislativas tragam ao Parlamento Brasileiro informações que contribuam para a compreensão do papel da Operação Condor nas ditaduras que atingiram a América do Sul na segunda metade do Século 20, contribuindo assim para atingir os objetivos da Lei 12.528/2011, que criou a Comissão Nacional da Verdade, no âmbito do poder Executivo, bem como a decisão da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados que instaurou, no seu âmbito, a Comissão Parlamentar Memória, Verdade e Justiça.
A programação estará disponível no endereço eletrônico
www.camara.gov.br/cdh.
As inscrições podem ser feitas pelo email cdh@camara.gov.br ou no próprio local e data do evento.
Mais informações podem ser solicitadas pelo mesmo endereço eletrônico ou pelos telefones
55.61. 3216-6571 e (61)3216-6570 ou fax (61) 3216-6580.
Atenciosamente,
Deputada LUIZA ERUNDINA DE SOUZA
Coordenadora da Comissão Parlamentar Memória, Verdade e Justiça
Deputado DOMINGOS DUTRA
Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias
PAULO ABRÃO PIRES JÚNIOR
Presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça
PROJETO DE LEI Nº ____/2012
Cria no âmbito da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, a Comissão da Verdade HERBERT DE SOUZA do Estado de Minas Gerais para colaborar com a Comissão Nacional da Verdade, na apuração de graves violações dos Direitos Humanos ocorridas no território do Estado de Minas Gerais ou praticadas por agentes públicos estaduais, no período previsto no Art. 8º do ADCT, durante o período de 1964 até 1982 ocorridas no território de Minas Gerais.
A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:
Art. 1º- Institui a Comissão da Verdade HERBERT DE SOUZA do Estado de Minas Gerais, no âmbito do Estado de Minas Gerais, que tem por finalidade acompanhar e subsidiar a Comissão Nacional da Verdade nos exames e esclarecimentos as graves violações de direitos humanos praticadas, no período previsto no Art. 8º do ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias), contribuindo, assim, para a efetivação do direito à memória e à verdade histórica.
§ Parágrafo Único – A Comissão Estadual da Verdade terá prazo de funcionamento de dois anos para a conclusão dos trabalhos, contados a partir da sua instalação.
Art. 2º- A Comissão deverá apresentar, ao final, relatório circunstanciado contendo as atividades realizadas, os fatos examinados, as conclusões e recomendações, respeitando a legislação vigente;
Art. 3º- A Comissão da Verdade HERBERT DE SOUZA do Estado de Minas Gerais, composta de forma pluralista, será integrada por sete membros, designados pelo Estado de Minas Gerais, entre brasileiros de reconhecida idoneidade e conduta ética, identificados com a defesa da democracia e da institucionalidade constitucional, respeitando os direitos humanos.
§ 1º Os membros serão designados para mandato com duração até o término dos trabalhos da Comissão da Verdade HERBERT DE SOUZA do Estado de Minas Gerais, sendo esta considerada extinta após a publicação do relatório circunstanciado das atividades.
§ 2º A participação na Comissão será considerada serviço público relevante.
Art. 4º- A Comissão da Verdade HERBERT DE SOUZA do Estado de Minas Gerais atuará sempre no sentido de colaborar com a Comissão Nacional da Verdade em suas funções de:
I - esclarecer os fatos e as circunstâncias dos casos de graves violações de direitos humanos;
II - identificar e tornar públicos as estruturas, os locais, as instituições e as circunstâncias relacionados à prática de violações de direitos humanos e suas eventuais ramificações nos diversos aparelhos estatais e na sociedade;
III - encaminhar à Comissão da Verdade HERBERT DE SOUZA do Estado de Minas Gerais toda e qualquer informação obtida que possa auxiliar no alcance dos objetivos aqui dispostos;
IV - colaborar com todas as instâncias do Poder Público para apuração de violação de direitos humanos, observadas as disposições Legais;
V - recomendar a adoção de medidas e políticas públicas para prevenir violação de direitos humanos; e
VI - promover, com base nos informes obtidos, a reconstrução da história dos casos de graves violações de direitos humanos, bem como colaborar para que seja prestada assistência às vítimas de tais violações.
Art. 5º- Para execução dos objetivos previstos no art. 4º, a Comissão da Verdade HERBERT DE SOUZA do Estado de Minas Gerais poderá:
I - receber testemunhos, informações, dados e documentos que lhe forem encaminhados voluntariamente, assegurada a não identificação do detentor ou depoente, quando solicitado;
II - requisitar informações, dados e documentos de órgãos e entidades do Poder Público, ainda que classificados em qualquer grau de sigilo;
III - convocar, para entrevistas ou testemunho, pessoas que possam guardar qualquer relação com os fatos e circunstâncias examinados;
IV - determinar a realização de perícias e diligências para coleta ou recuperação de informações, documentos e dados;
V - promover audiências públicas;
VI - requisitar proteção aos órgãos públicos para qualquer pessoa que se encontre em situação de ameaça, em razão de sua colaboração com a Comissão Estadual da Verdade;
VII - promover parcerias com órgãos e entidades, públicos ou privados, nacionais ou internacionais, para o intercâmbio de informações, dados e documentos; e
VIII - requisitar o auxílio de entidades e órgãos públicos.
§ Parágrafo Único – A Comissão poderá requerer ao Poder Judiciário acesso a informações, dados e documentos públicos ou privados necessários para o desempenho de suas atividades.
Art. 6º- As atividades desenvolvidas pela Comissão serão públicas, exceto as que, a seu critério, exija a manutenção de sigilo por ser de grande relevância para o alcance de seus objetivos ou para resguardar a intimidade, vida privada, honra ou imagem de pessoas.
Art. 7º- A Comissão da Verdade HERBERT DE SOUZA do Estado de Minas Gerais poderá atuar de forma articulada e integrada com os demais órgãos públicos federais, estaduais e municipais, especialmente com o Arquivo Nacional, o Arquivo Estadual, a Comissão de Anistia e a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos.
Art. 8º- Aos membros da Comissão será garantida a inviolabilidade das suas opiniões e posições relativas ao exercício de suas atividades funcionais.
Art. 9º- A Comissão da Verdade HERBERT DE SOUZA do Estado de Minas Gerais poderá firmar parcerias com instituições de ensino superior ou organismos internacionais para o desenvolvimento de suas atividades.
Art. 10º- O Poder Executivo regulamentará o disposto nesta Lei.
Art. 11º- Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação.
Sala das Reuniões, 25 de junho de 2012
LIZA PRADO
Deputada Estadual
JUSTIFICATIVA
A História brasileira foi marcada, entre 1964 e 1985, por um momento de desrespeito ao cidadão, violação dos direitos civis, censura e, sobretudo violência.
O projeto em questão surge com o objetivo de apurar e esclarecer a população das graves violações de direitos humanos e agressões aos direitos da cidadania praticadas nesse período.
Cabe inicialmente ressaltar que a instituição da Comissão da Verdade HERBERT DE SOUZA do Estado de Minas Gerais, no âmbito do Estado de Minas Gerais, tem por finalidade subsidiar a Comissão Nacional da Verdade nos exames e esclarecimentos as graves violações de direitos humanos praticadas, no período previsto no Art. 8º do ADCT, contribuindo, assim, para a efetivação do direito à memória e à verdade histórica.
Pelas razões expostas, propomos o presente projeto de lei, contando com o apoio dos meus nobres pares para a sua célere tramitação e aprovação
LIZA PRADO
Deputada Estadual
Assembleia de Minas
http://www.lizaprado.blogspot.com.br/
lizaprado.imprensa@gmail.com
Cria no âmbito da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, a Comissão da Verdade HERBERT DE SOUZA do Estado de Minas Gerais para colaborar com a Comissão Nacional da Verdade, na apuração de graves violações dos Direitos Humanos ocorridas no território do Estado de Minas Gerais ou praticadas por agentes públicos estaduais, no período previsto no Art. 8º do ADCT, durante o período de 1964 até 1982 ocorridas no território de Minas Gerais.
A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:
Art. 1º- Institui a Comissão da Verdade HERBERT DE SOUZA do Estado de Minas Gerais, no âmbito do Estado de Minas Gerais, que tem por finalidade acompanhar e subsidiar a Comissão Nacional da Verdade nos exames e esclarecimentos as graves violações de direitos humanos praticadas, no período previsto no Art. 8º do ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias), contribuindo, assim, para a efetivação do direito à memória e à verdade histórica.
§ Parágrafo Único – A Comissão Estadual da Verdade terá prazo de funcionamento de dois anos para a conclusão dos trabalhos, contados a partir da sua instalação.
Art. 2º- A Comissão deverá apresentar, ao final, relatório circunstanciado contendo as atividades realizadas, os fatos examinados, as conclusões e recomendações, respeitando a legislação vigente;
Art. 3º- A Comissão da Verdade HERBERT DE SOUZA do Estado de Minas Gerais, composta de forma pluralista, será integrada por sete membros, designados pelo Estado de Minas Gerais, entre brasileiros de reconhecida idoneidade e conduta ética, identificados com a defesa da democracia e da institucionalidade constitucional, respeitando os direitos humanos.
§ 1º Os membros serão designados para mandato com duração até o término dos trabalhos da Comissão da Verdade HERBERT DE SOUZA do Estado de Minas Gerais, sendo esta considerada extinta após a publicação do relatório circunstanciado das atividades.
§ 2º A participação na Comissão será considerada serviço público relevante.
Art. 4º- A Comissão da Verdade HERBERT DE SOUZA do Estado de Minas Gerais atuará sempre no sentido de colaborar com a Comissão Nacional da Verdade em suas funções de:
I - esclarecer os fatos e as circunstâncias dos casos de graves violações de direitos humanos;
II - identificar e tornar públicos as estruturas, os locais, as instituições e as circunstâncias relacionados à prática de violações de direitos humanos e suas eventuais ramificações nos diversos aparelhos estatais e na sociedade;
III - encaminhar à Comissão da Verdade HERBERT DE SOUZA do Estado de Minas Gerais toda e qualquer informação obtida que possa auxiliar no alcance dos objetivos aqui dispostos;
IV - colaborar com todas as instâncias do Poder Público para apuração de violação de direitos humanos, observadas as disposições Legais;
V - recomendar a adoção de medidas e políticas públicas para prevenir violação de direitos humanos; e
VI - promover, com base nos informes obtidos, a reconstrução da história dos casos de graves violações de direitos humanos, bem como colaborar para que seja prestada assistência às vítimas de tais violações.
Art. 5º- Para execução dos objetivos previstos no art. 4º, a Comissão da Verdade HERBERT DE SOUZA do Estado de Minas Gerais poderá:
I - receber testemunhos, informações, dados e documentos que lhe forem encaminhados voluntariamente, assegurada a não identificação do detentor ou depoente, quando solicitado;
II - requisitar informações, dados e documentos de órgãos e entidades do Poder Público, ainda que classificados em qualquer grau de sigilo;
III - convocar, para entrevistas ou testemunho, pessoas que possam guardar qualquer relação com os fatos e circunstâncias examinados;
IV - determinar a realização de perícias e diligências para coleta ou recuperação de informações, documentos e dados;
V - promover audiências públicas;
VI - requisitar proteção aos órgãos públicos para qualquer pessoa que se encontre em situação de ameaça, em razão de sua colaboração com a Comissão Estadual da Verdade;
VII - promover parcerias com órgãos e entidades, públicos ou privados, nacionais ou internacionais, para o intercâmbio de informações, dados e documentos; e
VIII - requisitar o auxílio de entidades e órgãos públicos.
§ Parágrafo Único – A Comissão poderá requerer ao Poder Judiciário acesso a informações, dados e documentos públicos ou privados necessários para o desempenho de suas atividades.
Art. 6º- As atividades desenvolvidas pela Comissão serão públicas, exceto as que, a seu critério, exija a manutenção de sigilo por ser de grande relevância para o alcance de seus objetivos ou para resguardar a intimidade, vida privada, honra ou imagem de pessoas.
Art. 7º- A Comissão da Verdade HERBERT DE SOUZA do Estado de Minas Gerais poderá atuar de forma articulada e integrada com os demais órgãos públicos federais, estaduais e municipais, especialmente com o Arquivo Nacional, o Arquivo Estadual, a Comissão de Anistia e a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos.
Art. 8º- Aos membros da Comissão será garantida a inviolabilidade das suas opiniões e posições relativas ao exercício de suas atividades funcionais.
Art. 9º- A Comissão da Verdade HERBERT DE SOUZA do Estado de Minas Gerais poderá firmar parcerias com instituições de ensino superior ou organismos internacionais para o desenvolvimento de suas atividades.
Art. 10º- O Poder Executivo regulamentará o disposto nesta Lei.
Art. 11º- Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação.
Sala das Reuniões, 25 de junho de 2012
LIZA PRADO
Deputada Estadual
JUSTIFICATIVA
A História brasileira foi marcada, entre 1964 e 1985, por um momento de desrespeito ao cidadão, violação dos direitos civis, censura e, sobretudo violência.
O projeto em questão surge com o objetivo de apurar e esclarecer a população das graves violações de direitos humanos e agressões aos direitos da cidadania praticadas nesse período.
Cabe inicialmente ressaltar que a instituição da Comissão da Verdade HERBERT DE SOUZA do Estado de Minas Gerais, no âmbito do Estado de Minas Gerais, tem por finalidade subsidiar a Comissão Nacional da Verdade nos exames e esclarecimentos as graves violações de direitos humanos praticadas, no período previsto no Art. 8º do ADCT, contribuindo, assim, para a efetivação do direito à memória e à verdade histórica.
Pelas razões expostas, propomos o presente projeto de lei, contando com o apoio dos meus nobres pares para a sua célere tramitação e aprovação
LIZA PRADO
Deputada Estadual
Assembleia de Minas
http://www.lizaprado.blogspot.com.br/
lizaprado.imprensa@gmail.com
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