quinta-feira, 5 de maio de 2011

TEXTO DO BALA DOCE SOBRE JOSÉ CARLOS MATA MACHADO

Li duas vezes o livro do Samarone, intitulado “Zé”, sobre o nascimento, a vida e a morte de meu melhor amigo José Carlos Novaes da Mata Machado. Anotei treze referências ao Bala Doce e uma ao Augusto. Duas delas me levaram às lágrimas. A primeira, a transcrição fiel da música fúnebre que fiz para o Zé após ter lido, pelos jornais, a notícia de seu covarde assassinato. A segunda, relativa a um bilhete que ele mandou para a família, em 1968, já preso no DOPS, pedindo que pegassem comigo os programas das matérias para que pudesse estudar na prisão e terminar o curso de Direito.


A gente nunca sabia em qual presídio o Zé estava, devido à sua grande liderança. “Peixe Grande” que era, vivia escondido para ser torturado e entregar os demais membros da organização revolucionária à qual pertencia.

Eu trabalhava no escritório do professor Marcos Afonso de Souza e fiquei encarregado de acompanhar, em Juiz de Fora, um IPM em que o Abel e a Gilce eram indiciados. Samarone descreve parte da denúncia contra o Zé e vê-se que ele foi acusado de ter providenciado a hospedagem, em Belo Horizonte, para um dirigente da UNE. Esse dirigente hospedou-se em minha casa a pedido do Zé. Lendo o processo do Abel e da Gilce, constatei que ele, certamente sob tortura, me entregou, dando meu nome e endereço. Zé, ao contrário, não entregou ninguém e talvez ninguém neste país foi tão torturado quanto ele.

Cada um tem seu limite de resistência à tortura e o do Zé era infinitamente superior ao da média dos mortais, infinitamente superior à capacidade de torturar de seus algozes. Imagino o que esses últimos, revoltados, aprontaram. Zé, certamente, os encarava, com aquele olhar firme, profundo e aquele semblante sério de filósofo-santo agonizante, com o bondoso sorriso irônico, parecido ao do velho Edgar, e neles cuspia, já que era impossível qualquer outra reação. Quanto mais o Zé resistia, mais eles batiam, até se cansarem e deixarem-no morrer numa cela fétida.

Mas o que é o destino: por engano, um chileno foi colocado na cela e viu o Zé semimorto, só de cueca, com a cabeça sobre uma mesa. Zé ainda teve forças para levantar a cabeça e, em palavras molhadas por seu sangue, dizer:

— Companheiro, eu sou o José Carlos Novaes da Mata Machado, dirigente da Ação Popular Marxista Leninista e, se você sair, diga aos companheiros que não entreguei ninguém.
Esse o Zé que conheci, amei e amo. Convicto, intransigente com seus princípios, cheio de amor no coração, que gostava de mulher, de música, de futebol, profundamente leal, até na hora do martírio e da morte.

Entrei no Bar do Inácio e disse para a turma, em que estava, também, meu filho Luiz Gustavo:

— Vocês leram o livro do Samarone sobre a vida do Zé?


No balcão, tomando uma cerveja, se encontrava o Bernardo Mata Machado, que o Zé chamava de “Bernardo meu irmão”. Bernardo dirigia o Centro de Cultura de Belo Horizonte. Trocamos aquele olhar amigo que o tempo nunca apaga e nos lembramos de coisas lindas de um passado tão próximo e que tanto nos marcou as vidas.

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