A ideia do livro nasceu em fins de 2006, quando homenageamos nosso companheiro Elmar de Oliveira na Taberninha da Glória. Era novembro e o Elmar tinha feito a grande viagem. Concluímos, naquele dia, mais uma vez, que tínhamos que dar início a um livro de memórias, que deveria estar pronto até meados do ano seguinte para ser editado e lançado no início de 2008, quando o ápice do nosso movimento completasse 40 anos.
A maneira como devemos passar nossas vivências para os nossos filhos e netos sempre foi motivo de preocupação para nós, atentos ao que é ensinado nas escolas, inquietos com a desinformação geral dos jovens. Pensamos em registrar, nós mesmos, nossas experiências em uma coletânea que contivesse parte da História do Brasil contada pelos próprios participantes, onde nosso lado humano e afetivo fosse sua característica essencial e se mostrasse presente em cada vírgula, em cada palavra ou parágrafo.
68 A Geração que Queria Mudar o Mundo compõe-se de histórias reais ocorridas desde 1964 até a abertura política - nas reuniões, na militância, nas manifestações, nas discussões, na prisão, nas ações armadas ou não, nos treinamentos, na clandestinidade, no Brasil ou no exterior, no exílio. O diferencial do nosso livro caracteriza-se pela revelação do lado humano e afetivo daqueles que não aceitaram a prepotência do Golpe de 64, concebido e engendrado nos Estados Unidos.
São descritos acontecimentos interessantes de que o autor tenha participado ou que tenha presenciado. Episódios, momentos íntimos; aquilo que se conta quando se está em uma roda de amigos; aquilo que ainda não foi narrado; aquela circunstância singular que o colaborador vivenciou ou a que tenha assistido; fragmentos relevantes da nossa vivência na luta por um Brasil melhor.
Somos 100 colaboradores. 100 personagens, mais de 170 relatos. Cada página é um testemunho vivo de eventos autênticos, pequenos detalhes, retratos instantâneos de um período que marcou nossa geração, indignada com as arbitrariedades estabelecidas pelos golpistas. (...)
Urariano Mota: a história viva dos anos da ditadura
O livro “68 a geração que queria mudar o mundo” é um calhamaço de 690 páginas que, em vez de assustar pelo peso e volume, deixa em toda a gente um fascínio. Explico, ou tento explicar. De agora em diante, ele será um volume de consulta obrigatória, para que não se cometam mais tantos atentados à história e à verossimilhança em telenovelas, peças e filmes no Brasil, quando o assunto for ditadura.
Por Urariano Mota
Organizado por Eliete Ferrer, editado pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, no livro participam 100 autores em 170 relatos. Em mensagem coletiva no grupo da internet “os amigos de 68”, Eliete informa que nele se encontram “histórias reais ocorridas desde 1964 até a abertura política - nas reuniões, na militância, nas manifestações, nas discussões, na prisão, nas ações armadas ou não, nos treinamentos, na clandestinidade, no Brasil ou no exterior, no exílio. O diferencial do nosso livro caracteriza-se pela revelação do lado humano e afetivo daqueles que não aceitaram a prepotência do Golpe de 64, concebido e engendrado nos Estados Unidos”.
De fato, se em alguns relatos individuais as angústias e o heroísmo de militantes socialistas nem sempre se acham realçados, na maioria dos textos e no seu quadro geral se depreende uma história rica da vida de jovens, de homens e mulheres na última ditadura, que, setores à direita queiram ou não, está na agenda do mundo político do Brasil. O livro vem numa luta que exige resposta da civilização brasileira aos assassinatos até hoje encobertos. Mais precisamente, na batalha incansável dos familiares dos mortos que continuam a busca dos corpos dos filhos, pais e irmãos. “68 a geração que queria mudar o mundo” é parte ativa da consciência do país que deseja uma punição exemplar para crimes contra a humanidade, que são imprescritíveis por todas as convenções internacionais do Direito.
O melhor e mais agradável em “68 a geração que queria mudar o mundo” é que ele não é um volume de teses. Em seu conjunto lêem-se relatos plenos de frescor, isso quer dizer, de sangue vivo, da hora, recuperado com o frescor da memória. É um livro necessário, porque nele estão as chamadas fontes primárias, as pessoas fora dos arquivos, contando o que viveram, penaram ou mesmo imaginaram nos anos do terror da ditadura brasileira. Delas vêm os documentos primários da luta dos malditos anos. É um livro urgente, para ser lido e divulgado.
Nele hão de se debruçar historiadores, roteiristas, cineastas, teatrólogos e jovens de todo o gênero e escolas para que compreendam o mundo que ainda lhes é desconhecido, de pessoas iguais a eles, que viveram, morreram ou escaparam por um triz, em situação-limite. São relatos da vida clandestina, de acontecimentos inimagináveis de “expropriações revolucionárias”, ou como a repressão as chamava, de assaltos a bancos por terroristas. Histórias de treinamento de guerrilha no Brasil, um documento vivo e inédito, e de amor, do amor que sobrevivia entre as porradas e tensões.
O curioso, para muitos, é que nele há também lugar para o humor, pois que os tempos eram duríssimos, mas os homens além do terror e crimes sofridos, também possuíam ou procuravam motivos para rir. Como neste caso, digno de Stanislaw Ponte Preta, o grande humorista que desmontou o ridículo da ditadura brasileira. Copio trecho do depoimento de Emílio Myra e Lopez:
“Um colega seu de ofício (do advogado Lino Ventura) defendia uma mulher e durante o seu processo ocorre o fato, verídico e registrado em seus autos. O advogado de sua defesa inquire o sargento, sua testemunha de acusação.
- Senhor sargento, por que o senhor acusa minha cliente de ser subversiva?
- Pelo material apreendido em sua casa – responde.
- Mas, especificamente, que material?
- Umas cartas...
O advogado prossegue.
- Sargento, seriam estas castas, às quais se refere?
- Sim, senhor, são estas cartas.
- Mas sargento, estas cartas estão escritas em idioma francês, o senhor tem conhecimento do idioma francês?
- Não senhor – responde o sargento para espanto e risos no plenário.
Insiste o advogado.
- Senhor sargento, se o senhor não conhece o idioma francês, como pode, por estas cartas, acusar minha cliente de ser subversiva?
- Mas é claro – prossegue convicto o sargento – eu li nas entrelinhas”.
Há outros, muitos outras histórias, casos, depoimentos, poemas, entre o drama, o trágico e a comédia. Há pelo menos 169 outros relatos. Mas tenham pena deste digitador. Leiam o livro.
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